Retorno a Ítaca

Retorno a Ítaca

Por | 2015-06-14T21:17:15-03:00 14 de junho de 2015|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Retorno a Ítaca (Retour à Ithaque). (Drama/Comédia); Elenco: Isabel Santos, Jorge Perugorría, Fernando Hechavarría, Nestor jiménez, Pedro Julio Díaz Ferran;Direção: Laurent Cantet;  França/Bélgica, 2014. 95 Min.

Numa mistura metafórica de “Odisséia” de Homero e o poema  “Ítaca” do poeta grego Konstantinos Kavafis, “Retorno a Ítaca” de Laurent Cantet conta história de Amadeo, um cubano que abandona a ilha de Fidel e vai para Madri, deixando sua mulher, e retorna dezesseis anos depois. É recebido em casa de amigos para um reencontro acalorado, embalado  por conversas sobre o presente, o passado e o futuro.

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A mais recente obra cinematográfica de Laurent Cantet é isso, conversas acaloradas entre amigos que contam sobre a aventura da vida imiscuído ao caldo cultural de um regime político fechado, cujas criticas se limitam as experiências pessoais de seus interlocutores. Tânia (Isabel Santos ) é uma oftalmologista que faz o advogado do diabo nas conversas, Eddy (Jorge Perugorría) é um escritor frustrado que se vira para se sustentar traficando influências, Rafa (Fernando Hechavarría) é um artista plástico que perdeu a vontade de criar,  Aldo (Pedro Julio Díaz Ferran) um engenheiro que recupera baterias de carro e Amadeo (Nestor Jiménez), o escritor que quer retornar à casa materna (Cuba), como Ulisses à Ítaca depois da Guerra de Tróia. A conexão da Ilha cubana e a ilha grega não é só geográfica é metafórica. Ítaca é uma ilha prestes a se partir em dois pelos seus acidentes geográficos, é a ilha natal de Ulisses como Cuba é a ilha natal de Amadeo. Ulisses deixa Penélope, Amadeo deixa seu amor de juventude . Mas a junção com Konstantinos Kavafis é a mudança de perspectiva em relação a Ítaca/Cuba. Enquanto para Homero o mais importante é a chegada, para Konstantinos o mais importante é o caminho, as aventuras, o aprendizado, a experiência. E é essa linha que Cantet segue nos diálogos empreendidos.

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“Retorno a Ítaca” mistura a geografia, a mitologia grega e a poesia num roteiro que brilha, num texto muito bem construído. As conversas não deixam a peteca cair, são procedentes, intensas e inteligentes. Misturadas aos sons e eventos do cotidiano de Havana/Vathi (capital de Ítaca) que são apreciadas de um terraço em que a visão e a percepção da realidade cubana/humana é superpotencializada: a morte do porco que mata a fome de muitos e seus grunhidos, as brigas de casais, o som alto das músicas dos moradores e os atravessamentos subversivos: o refrigerante símbolo do capitalismo, a música americana “Califórnia Dreamin” na interpretação de “The Mamas and Papas”. Tudo isso elaborado por: François Crozade que fez a adaptações com  Lucia Lopes Coll (escritora colaboradora), o escritor cubano Leonardo Padura  fez as contextualizações para a realidade cubana e o próprio Cantet.  A atuação de bons atores também fez parte do pacote. Isabel Santos foi premiada no Festival de filmes de havana por “Clandestinos” (1987), Jorge Perugorría premiado com o Hugo de prata do Festival de Chicago e com o Kikito de ouro do Festival de Gramado por ” Morango e Chocolate” (1993) e os conhecidos e respeitados atores locais Nestor Jiménez, Pedro Julio Díaz Ferran e Fernando Hechevarría.

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Laurent Cantet, ganhador da Palma de Ouro do festival de Cannes 2012 por “Entre Muros da escola” e amante profundo dos diálogos se superou. Com “Retorno a Ítaca” recebeu o prêmio de menção honrosa da crítica no Festival de São Paulo 2014, o prêmio Clássico do Festival de Veneza e foi indicado ao prêmio Pérola Negra de melhor narrativa do Festival de Dubai, dentre exibições em vários festivais mundo afora.

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“Retorno a Ítaca” é um filme que questiona a falta de liberdade política e as suas consequências através da vida pessoal de suas personagens, e apresenta as táticas usadas por esses para burlarem o poder instituído, sem ser maçante, sem ser pesado, sem dar nomes a bois, sem ser um filme marcadamente político. É uma costura belíssima entre  a mitologia, a poesia e a aventura da vida cotidiana de todos nós,  de Homero a Cantet. Pretencioso? Não. É apenas sofisticação infiltrada no cotidiano. Soberbo!

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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