Sangue do Meu Sangue (Sangre Del Mio Sangre) (Drama/História); Elenco: Roberto Herlitzka, Pier Giorgio Bellocchio, Lidiya Liberman; Direção: Marco Bellocchio; Itália/França/Suiça, 2016. 106 Min.
Mais um filme intrincado e cheio de camadas de Marco Bellochio. Cineasta italiano cujas películas abordam da rebelião adolescente às instituições religiosas e a subversão política, e contém critica social, engajamento e questionamentos viscerais. Em “Sangue do Meu Sangue” Bellocchio trabalha com áreas de intercessões e de distanciamentos entre duas épocas de sua cidade natal, o século XVII e o século XXI. Tendo como espaço o convento prisão de Bobbio e a lenda de uma noviça emparedada.
No século XVII, num contexto de inquisição, a freira Benedetta (Lidiya Liberman) é acusada de bruxaria e de sedução de seu confessor, que acabou suicidando-se. A família do morto, interessada em que ele fosse enterrado em solo sagrado, envia seu irmão Frederico (Pier Giorgio Bellocchio) para interceder junto ao Padre Cacciapuoti (Fausto Russo Alesi). Porém, para que o morto seja absolvido é necessário que Benedetta confesse que usou feitiçaria contra seu confessor e se declare bruxa. Já que Benedetta resiste iniciam-se os testes nos moldes da idade média, com tirania, punições, provocações e torturas. No século XXI, a mesma Bobbio e o mesmo convento. Esse habitado por um ser soturno, o conde (Roberto Herlitzka). A figura espiritual do mal não é mais uma bruxa, mas um vampiro. Num contexto em que a figura de temor é o cobrador de impostos e taxas ao invés do inquisidor. E o elo em comum a libido, o pecado que continua o mesmo trezentos anos depois.
Marco Bellochio, diretor e roteirista do filme, brinca de analogia com as duas épocas mostrando suas intercessões e suas diferenças num e vai e vem no tempo. Fruto de uma educação salesiana o cineasta de “Vincere” (2008) nos traz o temor do século XVII – o inquisidor – os valores da época – a fé – da mesma forma o faz no tempo presente. O cobrador de impostos é o temor do nosso tempo, e o capital o valor maior. Esses são os vértices do desenho dessa época que são expostos num diálogo que parece saído de um escritório de contabilidade – as aposentadorias falsas e o poder de um recibo – e nas atuações o medo da população ao ver o homem do fisco. O que contrapõe a abordagem cultural é a futilidade dos tempos atuais com a seriedade com as questões da vida eram tratadas na era passada. O território comum é a coisa intocada e inerente ao humano, independente da época, a libido que assalta a Frederico da mesma forma que assalta ao Conde. Num contexto ela é proibida, velada e pecaminosa, em outro é fugaz, comum e, por vezes, corriqueira chegando as árias da não importância. Versar questões nos âmbitos da religião, da critica social e do imaginário de uma época – nesse caso épocas – não é fácil e Bellocchio o faz com magistralidade misturando o barroco e o pós-moderno numa pegada de exposição de extremos. Mestre em mostrar a importância das coisas ditas ‘desimportantes’ e de pôr holofotes sobre o que todos querem esconder, Bellocchio tem um jeito todo especial de brincar com esses lugares de poder. Exercitou isso em “Vincere” em que conta a história da amante de Mussolini Ida Dalser, e põe o ditador como mero coadjuvante de uma história cujo viés de abordagem é o de Ida.
“Sangue do Meu Sangue” ganhou o prêmio da crítica (FIPRESCI) no Festival de Veneza; o ICS de melhor filme não lançado no International Cinephile Society e o de melhor diretor no Federazione Italiana Cinema D’Essai . Os destaques vão para a fotografia de Daniele Ciprì de “Il Ritorno di Cagliostro” (2003), para o designer de Andrea Castorina de “Che Bella Giornata” (2011) e para a trilha sonora de Carlo Crivelli de “Vincere” que fizeram toda a diferença na história que foi contada enriquecendo e dando escopo ao roteiro.
O filme explora as contradições culturais entre as duas épocas associada à complexidade e paradoxos da História do cotidiano e do imaginário social da Itália. Uma viagem rica e humana sobre a vida italiana, tanto a moderna quanto a histórica. Uma crítica cultural poética eivada de magia. “Sangue do Meu Sangue” é inteligente e instigante!
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