Silêncio (Silence) (Aventura/Drama/História); Elenco: Andrew Ga)field, Adam Driver, Liam Neeson, Issei Ogata, Ciarán Hinds; Direção: Martin Scorsese; Estados Unidos/Tailândia/México, 2016. 161 Min.
O mais recente filme de Martin Scorsese é uma arena de embates ideológicos num território melindroso, o da fé. Baseado no livro de Shûsaku Endô (1928-1996), um cidadão para lá de paradoxal: japonês, católico e com formação em literatura francesa, não podia dar em outra, “Silêncio” relata a tentativa de catequese dos japoneses pelos jesuítas portugueses em pleno século XVII, a era da expansão marítima europeia. E nesse contexto, o longa não se faz de rogado, em duas horas e vinte minutos de exibição dá espaços de conflagrações para os dois lados, o do cristianismo e o do budismo, misturado à cultura milenar japonesa, num confronto bonito de se ver e muito bem feito. E como se não bastasse inspirado numa história real.
O ano é 1633, em pleno movimento de expansão marítima portuguesa e de catequese dos territórios conquistados e/ou ‘hostis’. A ordem dos Jesuítas fica sabendo que o Padre Ferreira (Liam Neeson), enviado ao Japão para converter almas ao cristianismo, apostatou sua fé. O comunicado é feito por Padre Valignano (Ciarán Hinds) que acaba permitindo que os padres Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupe (Adam Driver) vão até a terra do sol nascente saber da verdade e procurar pelo Padre Ferreira. Chegando lá se deparam com a situação do Apóstolo Paulo em suas viagens à Roma pagã do início da era cristã. E o que vemos em relação a obras cinematográficas que abordam esse tema é uma mistura de “Quo Vadis” (1651); “A Missão” (1986) e “Ressurreição” (2016) versão japonesa. E isso faz toda a diferença. O chão da história são os discursos, as defesas de suas ‘fés’ que explicam as duas diferentes culturas e seus comportamentos sociais e ‘formas de crer’. Temos o embate entre o Cristianismo X o Budismo, a cultura ocidental X a cultura Oriental e esse digladiamento é estupendo, feito com tempo, com calma, prestando atenção aos detalhes. E essa é a menina dos olhos do longa, a primorosidade dos discursos e seus encaixes e a meticulosidade em sua fluidez.
Dirigido pelo multifacetado Martin Scorsese, cineasta de tantos sucessos com abordagens díspares, em nichos e estilos diferentes, como: “Taxi Driver” (1976); “A Última Tentação de Cristo” (1988); “Gangues de Nova York” (2002); “A Invenção de Hugo Cabret” (2011) e “O Lobo de Wall Street” (2013) – pelo qual levou o Oscar – “Silêncio” não deixa a desejar em nada. Dessa vez a seara é a dos embates ideológico/culturais, ancorado no livro do escritor japonês Shûsaku Endô, filho de uma católica, batizado numa igreja cristã especializado em literatura francesa e considerado um dos maiores escritores japoneses da geração pós-guerra. Com um roteiro escrito a quatro mãos por ele e por Jay Coks, seu parceiro em “Gangues de Nova York” a costura ficou muito bem feita com uma meticulosidade na abordagem dos aspectos de cada religião/cultura tão atenta que pede aplausos. Em nenhum momento nenhuma das culturas ou religiões foi aviltada, ao contrário, seus aspectos positivos e negativos são discutidos com igualdade de espaço de tempo e de ênfase. O que é um mérito e tanto para um território tão melindroso. Quanto as tecnicalidades: Andrew Garfield de “Até o Último Homem” (2016); Adam Drive, o Kilo Ren, de “Star Wars: O Despertar da Força” (2015) e Liam Neeson estão afinadíssimos em seus papéis. Mas, o destaque vai para a fotografia do mexicano Rodrigo Prieto de “Biutiful” (2011), que é de arrepiar e foi indicada ao Oscar.
Com uma produção que é uma mistura cultural gostosa: EUA/Tailândia/México o filme versa sobre a força que uma cultura tem sobre um povo e é uma aula de perspicácia e sagacidade, japonesas, é claro. O filme tira do lugar comum, faz pensar em slow motion, sem a menor pressa ou interesse de convencimento. “Silêncio” é um painel das criações de mundo que nós seres humanos somos capazes de realizar e merece reverências. Soberbo!
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