‘Soldado Estrangeiro’ – um outro olhar sobre a guerra

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‘Soldado Estrangeiro’ – um outro olhar sobre a guerra

Por | 2020-12-03T19:22:31-03:00 3 de dezembro de 2020|Crítica Cinematográfica, Uncategorized|0 Comentários

Soldado Estrangeiro (Documentário); Participações: Bruno Silva, Mário Wasercjer, Felipe Almeida; Direção: José Jiffily e Pedro Rossi; Brasil, 2019. 86 Min.

O que se espera, num primeiro olhar, de um registro audiovisual que fale sobre guerras? Imagens fortes, muita violência, relatos de traumas e muita dor. Em “Soldado Estrangeiro” o olhar posto é o da radiografia de alma de jovens que buscam ‘nisso’ uma oportunidade de vida, procuram ‘nisso’ por um ideal que consolide suas identidades como indivíduos sociais, que a partir ‘disso’ obtenham importância e estabilidade. Esse viés é tecido através do relato de três brasileiros que optaram por servir a uma outra pátria em busca de oportunidades de vida. O longa de José Joffily e Pedro Rossi é um documentário, cujo pano de fundo é a guerra. Porém a abordagem é o ser humano, seus anseios, desejos, estratégias de sobrevivência e o convívio com as sequelas de suas ações e de suas buscas.

Bruno Silva, Mário Wasercjer e Felipe Almeida são três brasileiros de origens culturais, econômicas e de formação diferentes que decidem ir lutar a guerra dos outros como solução para se estabilizarem economicamente e se encontrarem consigo mesmos como indivíduos. França, Israel e Afeganistão são os palcos dessas decisões e os relatos são de momentos diferentes dessa ‘guerra escolhida’. Bruno é acompanhado logo no início quando se alista na Legião Estrangeira na França; Mário em treinamento e em missões de revistas pelos territórios palestinos ocupados da Cisjordânia e Felipe depois de ter servido no Afeganistão, doente, com síndrome pós-traumática e lutando por seus direitos morando em New York. Todos relatos detalhados com seus tons pessoais e bem específicos do momento em que vivem/viveram. O que temos em “Soldado Estrangeiro” são os relatos de seus personagens e seus vieses que nos levam a uma aventura através de suas histórias.

Enquanto os personagens relatam seus pontos de vista, suas experiências na guerra dos outros, introduzindo o espectador em suas guerras particulares, Joffily e Rossi nos leva a espaços físico/geográficos marcados pela História, como o muro que separa os territórios árabes e israelenses numa tomada quase transcendental que parece contar milênio de História, nos apresenta as cercas com arames farpados que levam o espectador – de acordo com suas redes de significações – a sentir a tensão, o medo dos moradores e a insegurança de soldados que, na verdade, são quase crianças com armas pesadas nas mãos. No caso de Felipe Almeida, o longa passeia por sua alma e suas táticas de produção de calma, de expurgo de raiva, sua saga introspectiva de procura por si mesmo. O que, na realidade, se apresenta como uma guerra muito mais renhida do que a própria guerra bélica.

A forma de condução das histórias são pontuadas por trechos do livro do roteirista Dalton Trumbo “Johnny vai à guerra” de 1939. A edição ficou sob a batuta de Jordana Berg de “Marcelo Yuka: No Caminhos das Setas” (2011); “Jogo de Cena” (2007) e “Santo Forte” (1999). O roteiro escrito pelos dois cineastas tem uma abordagem que privilegia a reflexão sobre o que leva jovens a saírem de seus países – mesmo com todas as dificuldades e contradições – a irem lutar uma guerra alheia para ganharem suas vidas, terem estabilidade, adquirir status ou mesmo se encontrarem, sem fazer isso de forma direta mas, possibilitando essa reflexão através das perguntas feitas e dos registros dos tons dos relatos de seus entrevistados. A forma de abordagem nos remete a “Meu Primo Inglês” (2019) em que um imigrante árabe é acompanhado por um cineasta em seu cotidiano, funcionando quase que como uma consciência do personagem através de suas perguntas e de seus registro.

“Soldado Estrangeiro” nos faz pensar sobre o mundo em que vivemos, sobre o que estamos criando como chances e oportunidades, sobre que viés de produção de realidade estamos normalizando. Da baixada fluminense à França cujo objetivo não é o ‘Louvre’ nem a ‘Torre Eiffel; de são Paulo para a Cisjordânia cujo objetivo não é o turismo da Terra Santa; de algum lugar do Brasil para o Afeganistão cujo objetivo não era conhecer mesquitas, palácios históricos ou peças artesanais da cultura afegã, mas exercer a função de sniper. O que nos faz pensar sobre o nosso país. Que país é esse em que um jovem – a representação do futuro de uma nação/povo – tem que procurar seu futuro, sucesso ou oportunidade de se auto conhecer lutando a guerra dos outros? Com trajetórias geográficas tão distantes quanto a profundidade do mergulho dentro de si mesmo num contexto de terceirização de guerras, “Soldado Estrangeiro” é para ser visto com um olhar bem demorado e reflexivo.

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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