“Tantas Almas” uma história de reconstrução

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“Tantas Almas” uma história de reconstrução

Por | 2022-05-23T17:51:22-03:00 23 de maio de 2022|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Tantas Almas (Valley of Souls) (Drama); Elenco: José Arley de Jesús Caballido Lobo; Direção: Nicolás Rincón Gilles; Colômbia/Brasil/Bélgica/França; 2019. 137 Min.

O primeiro longa-metragem do cineasta/documentarista Nicolás Rincón Gilles versa sobre resiliência, sobre curar feridas, enterrar os mortos, enfim, sobre reconstrução. O longa nos apresenta o processo de superação de acontecimentos que extrapolam nossa esfera de atribuições, que estão fora de nosso controle. Mas, essa é a primeira camada, a mais obvia. A segunda camada é política, e consiste no contexto histórico de uma Colômbia esfacelada por grupos paramilitares do início dos anos 2000, depois da caça aos narcotraficantes, com o apoio do governo de Álvaro Uribe.

“Tantas Almas” é uma produção colombiana em co-produção com o Brasil, a Bélgica e a França e traz à memória o tempo das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). José (José Arley de Jesús Caballido Lobo) é um pescador que vive o momento de horror do poder paralelo da AUC às margens do Rio Magdalena e, em consequência disso tem seus dois filhos desaparecidos. Decide, então, procurá-los rio abaixo, perguntando a amigos, conhecidos, desconhecidos e revirando corpos numa angustia silenciosa.

O longa de Rincón é um ‘river movie” uma saga solitária de um homem num dos maiores rios da Amazônia legal. Os atores são todos moradores locais, não-profissionais que revivem de alguma forma aquela época hedionda trazendo realidade para suas atuações. O acompanhamento de José em sua saga de sofrimento e luto, coloca o espectador, testemunhando sua táticas de homem da floresta e sua angústia profunda a cada não que escuta ao longo de sua busca. A história e forma com a qual é contada, além de prender a atenção nos lembra o filme “Paris Texas” (1984) de Wim Wenders, em que o que vemos somos nós mesmos, nossas próprias ideias acerca das questões sugeridas, dentro de nossas redes de significações e vivências. O roteiro, também de Rincón, não se propõe a explicar nada, mas deixar que o espectador testemunhe o processo emocional de reconstrução de José.

Nicolas Rincón é oriundo da economia passou pelo Instituto de Artes da Bélgica e tem no currículo documentários de curta-metragem e um olhar bastante politizado. Mostra com “Tantas Almas” que sabe fazer pensar com imagem e edição. Como cineasta não dá a prato pronto para o espectador, o faz juntar os ingredientes e construir um arcabouço próprio de entendimento, fustigando, inclusive, a procura por informações para além da tela.

Estreou com pé direito, abocanhando 4 prêmios e 7 indicações em festivais de filmes mundo afora. “Tantas Almas” foi indicado ao Camerimage (o Oscar da fotografia), ganhou o German Camera Awards, O Rimbaud Award de melhor filme; o Golden Star (de fotografia) no Festival de Marrakech e Menção Especial no festival de Nantes que abarca filmes dos continentes asiático, africano e latino-americano.

O longa faz pensar. Pensar num contexto em que a domínio à força das armas e do medo é a alavanca para se conseguir liberdade e democracia. Faz pensar no quanto ainda somos primitivos, no quanto é necessário de força para se reinventar num mundo como esse. Faz pensar se, de alguma forma, esse mundo está tão distante quanto queremos que pareça. E, também, pensar sobre resiliência, sobre sublimação e, sobre os subterfúgios que precisamos criar para enterrar nosso mortos, sejam pessoas queridas, nossas crenças, nossa ingenuidade ou nossa apatia. O longa de Nicolás Rincón, faz pensar… e com uma fotografia belíssima e um roteiro simples, mas primoroso em sua abordagem.

A exibição do filme “Tantas Almas” faz parte do projeto Sessão Vitrine de iniciativa do grupo Vitrine que distribui filmes brasileiros e co-produções brasileiras (como é o caso do longa) em salas de cinema comerciais e plataformas digitais, com o objetivo de democratizar o cinema nacional através de lançamentos com ingressos acessíveis e sessões de debates, fomentando, assim, a formação do público.

A estreia será no dia 26/05 nas cidades de Aracaju, Balneário Camboriú, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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