Tudo Sobre Vincent (Vincent n’as pas d’ecailles) (Comédia/Drama/Fantasia); Elenco: Thomas Salvador, Vimala Pons, Youssef Hajdi; Direção: Thomas Salvador; França, 2014. 78 Min.
Diz a sabedoria popular que depois que produzimos alguma coisa (uma peça de teatro, uma crônica, um audiovisual etc…) essa obra já não é mais nossa. Não tem mais o sentido que demos. Não é mais o que criamos ao idealiza-la, e passa a ter milhares de donos com suas respectivas criações de sentidos, que outrora, sequer imaginaríamos. “Tudo Sobre Vincent” se encaixa como uma luva nesse pensamento. Primeiro porque pode ser camuflado como a denominação de parábola; e segundo porque, devido a sua ingenuidade ele recebe toda e qualquer classificação. Desde uma tentativa engraçada de se apresentar como um suposto ‘Aquaman” francês, à possibilidade de ser um excelente personagem conceitual para pensarmos o lugar das pessoas talentosas em uma sociedade vil como a nossa.
Vincent (Thomas Salvador) é um homem solitário, calado e que está a procura de emprego. Um homem comum cujo objetivo é ter uma vida normal, com trabalho, casa, refeições e um amor, se der. Porém, Vincent tem um talento especial, busca sua força e equilibra suas energias na água. Vincent nada com presteza, se diverte com isso, é feliz assim. E é do ambiente aquático que tira forças para suas atividades cotidianas. Por conta disso se estabelece sempre em lugares lacustres. Um belo dia, no trabalho, ajuda um amigo que está passando por apuros e acaba com a confusão. Porém, todos testemunham sua força descomunal. A partir desse momento Vincent passa a ser perseguido pela polícia, por seus colegas de trabalho e, quiçá, pela cidade inteira, tendo que sair dela.
A frança tem um histórico de consumo respeitável de história de super-heróis, mas não tem histórico de produção dessas histórias, pela própria origem do cinema francês, sempre voltado para arte e as adaptações da literatura universal. Diferente da cultura norte-americana em que as histórias de heróis e o fabrico deles é inoculada na medula desde o nascimento. Logo, possivelmente, seria temerário afirmar que Vincent é um projeto francês de ‘aquaman’. Em nenhum momento a abordagem se volta para essa hipótese. Vincent é pacato, discreto, quer uma vida comum, não é dado a pirotecnias e manias de salvamentos.O que o filme traz são os mesmos traços da gramática cinematográfica francesa: os silêncios, as possibilidades de subtendimentos, metáforas, sobreposições de camadas subjetivas, e por aí vai. A simplicidade da argumentação nos remete ao estilo de parábola em que o viés é a dificuldade de adaptação e adequação à sociedade, por parte de pessoas que tenham talentos extraordinários, ou algum dom que não seja comum; e o quanto somos primitivos na aceitação da diferença.
“Tudo sobre Vincent” talvez, seja isso. Tudo o que se precisa saber sobre alguém é o que esse alguém tem de melhor, e o uso disso é o que o define. Essa linha de raciocínio responde aos questionamentos sobre Vincent fugir o tempo todo e procurar se fixar em algum lugar, sem conseguir. A abordagem do roteiro não trabalha esses talento como um peso, mas como um catalisador de mudanças na vida de Vincent. O que ele aceita muito bem como preço a ser pago por ser quem é, e como é.
Thomas Salvador, famoso por seus curta-metragens, tem em “Tudo sobre Vincent” seu longa-metragem de estreia. Pela sutileza e ingenuidade quase infantil na abordagem abrindo precedentes a tantas interpretações, o filme ganhou prêmios dos juris e da crítica em festivais. Para citar alguns: Prêmio Henri Langlois de revelação 2016; prêmio especial da crítica e do juri no 5º festival Cineramabc; o grande prêmio do juri du film indépendant de Bordeaux; prêmio do público no Festival Internacional de La Roche-sur-yon; prêmio da crítica e novo talento no festival de cinema de autor da Catalunya. Na criação da história Thomas salvador teve a colaboração de Thomas Cheysson, e Thomas Bidegain, esse, de “Dheepan – O refúgio” vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes. Além da atuação da atriz franco-indiana Vimala Pons (Lucie) de “Vocês Ainda Não Viram Nada” de Alais Resnais e a elogiada fotografia de Alexis Kavyrchine.
Como ia dizendo, depois de pública uma obra é aquilo que as redes de significações dos espectadores quer que ela seja. Logo, “Tudo Sobre Vincent” é uma boa oportunidade para o espectador descobrir tudo sobre si mesmo. O filme de Thomas Salvador é uma ingênua história de um homem-anfíbio, como poderia ser a de um médium, a de um gênio enxadrista, ou de qualquer outra pessoa com talentos especiais, com o mesmo desfecho. Tinha que ser o cinema francês.
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