Últimos Dias no Deserto

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Últimos Dias no Deserto

Por | 2016-09-20T11:23:19-03:00 20 de setembro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Últimos Dias no Deserto (Las Days in the Desert) (Aventura/Drama/História); Elenco: Ewan McGregor, Ciarán Hinds, Tye Sheridan e Ayelet Zurer; Direção: Rodrigo Garcia; USA, 2015. 98 Min.

Um filme que propõe uma viagem pelo imaginário do que poderia ter sido os 40 dias e as 40 noites de Jesus no deserto. Dirigido pelo colombiano Rodrigo Garcia a produção americana privilegia o aspecto humano em detrimento do espiritual e possibilita a Ewan McGregor se multifacetar como ator, interpretando Jesus e seu interlocutor, numa metáfora potente e belíssima.

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Focado no momento específico de retirada de Jesus para o deserto (trecho da História bíblica), o longa metragem se apropria de figuras analógicas para falar sobre a trindade espiritual através da família que vive no deserto. A saber: o pai (Ciarán Hinds), o filho (Tye Sheridan) e a mãe (Ayelet Zurer). E ainda versa sobre a luta de Jesus com o outro lado da espiritualidade, que é ele mesmo, seu outro ‘eu’. A abordagem é inteligente pois faz uma narrativa sobre o período de profunda reflexão da pessoa que, possivelmente, tenha sido Jesus com seus embates espirituais, sua inquietações e seus conflitos. Tudo isso através do viés humano. A história é de Jesus homem, em nenhum momento a abordagem é a de divindade. O ponto de vista é o de homem para homem.Com isso, Rodrigo Garcia (que também roteirizou o longa) traz a história de um dos guias da espiritualidade ocidental para o território do comum. É mais uma história como todas as outras, vista sob o ângulo com o qual vemos as outras histórias. Essa pegada, além de trazer reflexões interessantes e, contraditoriamente, tirar do lugar comum ao qual estamos acostumados em relação a Jesus Cristo, evitou conflitos ideológicos e embates desnecessários, focando apenas no cotidiano imaginário de 40 dias na vida de um homem comum que se retirou para viver uma experiência espiritual. A sacada de versar sobre a relação conflituosa entre pai e filho nas personagens de Ciarán Hinds de “Roma” (2005-2007) e Tye Sheridan de “X-men: Apocalipse” (2016) é bastante inteligente com camadas questionadoras que são postas sem ofender ou macular as crenças cristãs. Pois são postas no território familiar, mas com links pertinentes entre a relação de  Jesus com o Pai.

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Rodrigo Garcia é um diretor latino americano respeitado e premiado mundo afora. Mais conhecido pelas séries de TV “Big Love” (2006) e “Em Terapia” (2008/2009) em que aborda aspectos da cultura religiosa na vida cotidiana de Mórmons, na primeira. E aspectos obscuros da alma humana através de consultas psicanalíticas, no segundo. O que se destaca no longa-metragem de Garcia são a fotografia e a locação. Esta, o deserto Anzo-Borrego na Califórnia que, pela forma com a qual se inseriu na história através da fotografia foi indicado ao COLA (California Locations Awards); Aquela, assinada, por ninguém menos que, Emmanuel Lubenski de “O Regresso” (2015), é  de uma sensibilidade e poesia admiráveis inseridas pela secura e o pelo tom escuro que dá a sensação do lúgubre.

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“Últimos dias no Deserto” traz a história conhecida pelos cristãos para o aspecto pessoal num imaginário enxuto. O filme é uma viagem ao interior do homem, à solidão desse homem. Os conflitos espirituais são abordados da mesmo forma que em  “Noé” (2014) de Darren Oronofsky constituindo-se numa espécie de desmistificação seca, sem contrapartida, sem religiosidade, sem afronta sobre o que se construiu de folclore em relação a espiritualidade. A última cena é uma síntese da abordagem do filme. Enfim, “Últimos dias no Deserto” não é um filme fácil de entender nem agradável de acompanhar. É intrincado, lento, poético e filosófico, portanto, seleciona público. É mais afeito as pessoas que possuem os nós de suas redes de significação e produção de sentidos na filosofia, na teologia, na psicologia e, interessados no assunto. O que se pode dizer do longa é que, mesmo tomando todo cuidado para não ser herético, Rodrigo Garcia foi ousado. Mas isso é para quem tem olhos de ver, para esses valerá a pena.

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Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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