Um Limite Entre Nós

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Um Limite Entre Nós

Por | 2018-12-03T20:18:32-03:00 26 de fevereiro de 2017|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Um Limite Entre Nós (Fences) (Drama); Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson, Jovan Adepo; Direção: Denzel Washington; USA, 2016. 139 Min.

“Um Limite Entre Nós” é um filme dirigido por Denzel Washington em seu terceiro longa-metragem como diretor. Oriundo de uma peça de teatro chamada “Fences” de 1983, escrita por August Wilson (1945-2005) e que ganhou o prêmio Pulitzer de teatro de 1987, “Fences” foi roteirizado pelo próprio autor pouco antes de falecer e é um painel cultural das famílias negras, pobres da América da primeira metade do século XX. Ancorado em diálogos e com quatro cenários simples o filme dá espaço para grandes atuações e isso acontece. “Fences” é um filme escrito por um negro, sobre negros, dirigido e interpretado por negros, com composição musical de um brasileiro paulista (leia-se latino) e fotografia dirigida por uma mulher. E como se não bastasse representa magnificamente o cinema negro americano na festa do Oscar.

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O ano é 1950, a cidade é Pittsburgh na Pensilvânia e o quintal é o dos Maxsons. Uma família pobre de negros cujo pai Troy Maxson (Denzel Washington) que sonhava ser jogador de Basebol na juventude, trava os sonhos do filho Cory (Jovan Adepo) que quer ser jogador de futebol americano, com receio de que ele sofra o que ele – pai – sofreu. No meio da celeuma está Rose (Viola Davis) que vive com Troy a quase duas décadas, cuida da casa e do cunhado que fora combatente na segunda Guerra e voltou débil. A realidade dessa família é desenhada diante do espectador através de relatos de memórias, de narrativa oral vinda de pai para filho e dessa forma se monta um mosaico cultural de costumes, de vida cotidiana, de dores, de traumas e de explicações para tanto medo, tanta proteção contra o mundo, de alguma violência como forma de defesa e de se impor diante da vida. E mais, das linhas de fuga para tanto cerceamento de liberdade.

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Denzel Washington foi feliz na escolha do texto, na interpretação feroz de Troy Maxson e na escolha de Viola Davis que está sensacional. Como o texto é uma peça teatral ele privilegia as atuações, se detém nelas e dá conta do recado. “Um Limite Entre Nós” tem uma música que se mistura com naturalidade ao enredo sem sobressair a ele, assinado pelo paulistano Marcelo Zarvos de “As Palavras” (2012) e uma fotografia simples e realista de Charlotte Bruus Christensen de “A Garota no Trem” (2016). E nos mostra que menos é mais. Não há efeitos especiais, cenários super produzidos, ao contrário, são quatro: o interior da casa, o quintal, a rua e um bar. O figurino é simples e desenha bem a época, assinado por Sharen Davis de “Sete Homens e Um Destino” (2016). Mas, a história, as conexões,a forma de conta-la, as interpretações e a cola disso tudo são magistrais.

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“Um Limite Entre Nós” conversa muito bem com o documentário de Ava Duvernay “13ª Emenda” e com o de Raoul Peck “Eu Não Sou Seu Negro”  e o faz de forma competente de lugares diferentes, o que acaba sendo um espécie de complementação. No longa de Duvernay a abordagem parte da emenda da libertação dos escravos americanos e mostra como, ao longo da História americana essa ‘escravidão’ foi se reinventando de outras formas numa leitura sociológica muito bem feita. O documentário de Raoul Peck mostra como o conceito de negro foi criado e a quem e a que ele serve e mostra tudo isso através da História dos Estados Unidos, com instrumentação, inclusive, do próprio cinema. “Fences” (no original) junta tudo isso por dentro, mostrando essas forças presentes nas famílias negras americanas do início do século XX, como esse processo se dá e o quanto custa em termos de vida. “Um Limite Entre Nós” tem uma costura muito bem feita e com muito pouco. A primorosidade vai da história às metáforas, do linguajar próprio dos bairros negros com o gingado da fala, as excessivas contrações entre as palavras, o ‘falar errado’ – similar ao nosso regionalismo literário – (e a legenda acompanha respeitosamente esse detalhe primoroso do roteiro)  aos trejeitos com o corpo, numa reverência bonita àquela geração. Quanto à metáfora da cerca que é construída ao redor da casa e que é o título da obra original, nos remete à proteção de tudo isso, ao isolamento de um meio ao qual eles não pertencem, à marcação de território em que ali, e somente ali, se tem autoridade. As cercas desenham um limite traçado pela vida e pela História.

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Indicado em 4 categorias ao prêmio da noite do cinema mundial (melhor filme, melhor ator e atriz coadjuvante – Denzel Washington e Viola Davis -, roteiro adaptado para August Wilson – prêmio póstumo -) possivelmente, leva atriz coadjuvante para Viola Davis que vem abocanhando todas nessa temporada.

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Para fechar, se o Oscar 2017 for o reparador de oito décadas de  ‘Oscar so white’ – salvo algumas exceções – pelo menos dois desses três longa-metragens. (13ª Emenda/Eu Não Sou Seu Negro e Um Limite Entre Nós) deveria levar o prêmio para casa. Marcadamente, “Fences” que representa bem o cinema negro americano na sua festa maior. Como dizem os ditados populares: ‘deus mora nos detalhes’ e ‘menos é mais’ e ambos definem o longa de Denzel Washington, que é para ser aplaudido de pé.

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Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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