Uma longa viagem (Railway man). (Biografia/Drama); Elenco: Colin Firth, Nicole Kidman, Stellan Skarsgard; Diretor: Jonathan Teplitzky; Austrália/Reino Unido/Suíça, 2013. 116 Min.
O que faríamos se tivéssemos sido vítimas de tortura? O que seríamos? Quem seríamos? Essas são as possibilidades de reflexão que “Uma longa viagem” de Jonathan Teplitzky nos traz. O filme conta a história real de Eric Sutherland Lomax (1919-2012) que serviu às forças aliadas na segunda guerra mundial na Cingapura de 1942.
A história consiste, basicamente, nas consequências da tortura na vida de Eric(Jeremy Irvine/Colin Firth), mesmo depois da passadas décadas. E o quanto a necessidade de superar esse sofrimento o levou ao caminho da vingança, e este, ao do perdão. Eric não consegue ter uma vida social normal e mesmo após casar-se com Patti (Nicole Kidman) cercado de atenção e afeto não supera os traumas de guerra. Descobre então que seu algoz Takeshi Nagase (Tanroh Ishida/Hiroyuki Sanada) continua vivo e decide encontra-lo.
A longa viagem, do ódio ao perdão, é muito bem desenhada imageticamente. O sofrimento, que a princípio parece desnecessário mostrar, serve para valorar a dimensão do perdão. Se fosse um filão hollywoodiano de época de natal, poderia até ser questionado em sua, possível, surrealidade. Mas, não é, trata-se de uma história real, que já foi alvo de um documentário da TV inglesa intitulado Enemy, My friend? E que posteriormente se tornou o livro “Uma longa viagem” escrito pelo próprio Eric.
Alguns pressupostos históricos podem ser aferidos ao cinema em relação à temática. Poucas vezes se vê lançar-se luz a aspectos históricos que mostram as frestas da versão oficial da história (a dos vencedores). E o cinema tem o privilégio de fazer isso magistralmente. Assim como em “A menina que roubava livros” se desmistificou o imaginário social de todo alemão como nazista, quando traz à luz a ações do alemãs que driblavam o sistema e os motivos pelos quais um número maior de insurgentes não se manifestou. No filme de Jonathan Teplitzky, o foco sobre a atuação do exercito japonês e seu modus operandis é tremendo e visceral. Nos dá uma noção básica, principalmente aos que se interessam pelo assunto, do porque de sua desativação, e de até hoje, sua restituição ser considerada inconstitucional no Japão. Sendo utilizado uma forma mais branda de defesa (ou pelo menos intitulada como tal). São enfoques que, o cinema, sem se desviar dos fatos históricos, tem o privilégio e a liberdade de abordar e trazer ao grande público.
Em relação ao roteiro, é primoroso. E foi encabeçado por Frank Cottrell Boyce, considerado um dos mais respeitados roteiristas trabalhando na indústria cinematográfica inglesa, no momento. Indicado ao BAFTA (1999) por “Hilary and Jackie” e ganhador do British Independente Film Award (2005) por “Milion“. Juntamente com Andy Paterson de “Moça com brinco de pérola” (2003), escreveram a quatro mãos a história tendo como guia o livro de memórias de Eric Lomax. Contando com dois atores oscarizados, Colin Firth por “O discurso de Rei” (2010) e, Nicole Kidman por “As Horas” (2002) e ainda, a interpretação do veterano japonês Hiroyuki Sanada de “47 Ronins” e “Lost” (série de TV). A história envolve, comove e faz pensar, e se fôssemos nós? Além de ser uma notável lição de vida. A fotografia é belíssima, límpida e sua tonalidade desenha a variação do tempo e de contexto, assinada por Garry Phillips de “Em nome da Honra” e a trilha sonora é de David Hirschfelder de “O Show de Truman”. O australiano Jonathan Teplitzky, que dirigiu o filme, é escritor e diretor premiado em festivais com os filmes “Burning Man” (2011) e“Getting Square” (2003).
O filme “Uma longa viagem” imagetiza da dor à fé, da esperança à coragem, e todo o processo de luta interna pelo qual passa um indivíduo em processo de mudança de paradigmas. A obra tira o espectador do lugar comum e o faz questionar uma série de valores pessoais silenciosamente. Em uma palavra? Magnânimo!
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