Mangue Bangue (drama); Elenco: Sergio Bandeira, Neville D’almeida, Maria Gladys, Paulo Villaça, Damião experiência, Érico de Freitas; Diretor: Neville D’almeida. Brasil, 1971. 80Min, 16mm.
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Qual a medida para se dizer que um filme é bom? Ou que tenha valor cinematográfico como arte, instrumento político, ou ainda, como registro de um tempo e de uma mentalidade? Pois é, não dá para mensurar. Mas poucas obras cinematográficas mereceriam uma restauração pelo Museum of Modern Art at New York (MoMa). E nisso muitos concordariam.
Pois o Filme “Mangue Bangue” de Neville D’almeida está entre essas poucas raridades que valem o debruçar-se sobre ele afim de traze-lo de volta à vida, restaurar-lhe até o último “pixel”. Uma recuperação detalhista e cara, não só no sentido de valor artístico, do emprego de profissionais qualificados como no do capital. A história da trajetória do filme “Mangue Bangue” é mais acidentada do que a de jardim de guerra.
Filmado em 1970, em plena ditadura militar, num contexto econômico da bolsa de Valores (operações do mercado financeiro) em alta, fabricando milionários em série, “Mangue Bangue” apresenta quarenta quadros em 16mm hectacom positivo, ou seja, não tem negativo, perfazendo um total de oito rolos. Com conteúdo altamente subversivo, libertário e comprometedor, em relação a consumo de drogas e sexo livre. O cineasta ficou receoso de revela-lo no Brasil e quando foi à Inglaterra levou-o consigo, revelou-o em Londres. Depois disso foi a New York para mostra-lo a Hélio Oiticica, que lá residia. A exibição foi realizada aos dez de março de 1973 no Museu de Arte Moderna de New York.
Após isso o filme ficou perdido por quarenta anos e em 2003 um pesquisador foi à cata da obra nos arquivos do MoMa. Um funcionário prestes a aposentar-se lembrou-se da exibição e resolveu procurar no depósito e o achou sem catalogação. Após constatarem a importância do registro cinematográfico, propuseram a Neville que o doasse para o museu. Ele seria restaurado e a partir daí constaria no acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York. Sendo assim, é a primeira obra cinematográfica brasileira, e até então única, a ser restaurada pela instituição e a constar em seu acervo.
“Mangue Bangue” não tem enredo linear. É um roteiro sem texto com sequências embaralhadas. Não tem legenda alguma e possui uma trilha sonora eclética. “Mangue Bangue” é um exercício de linguagem de tudo o que nunca se havia visto no cinema. Poesia, galos de rinha, viagem de ácido, a prostituição no Mangue, os travestis, o pico na veia e a sua preparação, o cigarro de maconha e o sexo livre.
A cena mais proeminente do longa é a do corretor da bolsa de valores Paulo Villaça, que após tomar um ácido, passa mal em pleno pregão e sai vomitando as tripas rua a fora. Cai na sarjeta, se enlameia todo, arranca as roupas e sai nu em pelo em busca dos sentidos mais primários do ser humano, defeca, cheira as próprias fezes, lava-se, feito bicho, no rio e sai floresta a dentro virando um animal total.
Em relação ao que o cineasta quis dizer com sua obra, Neville desabafa: (…)”eu mostro tudo” (…) eu queria dizer que a liberdade é fundamental, que o cinema é castrado e totalmente hipócrita, que as coisas mais primárias que todas as pessoas fazem todos os dias nada disso tem no cinema. A intimidade, os seus tons, os desejos, as sua vontades, as coisas que você tem medo, as coisas que você gosta, as coisas que você vê, tá tudo fora do cinema…a poesia…então eu quis fazer isso de forma violenta e brutal”
“Mangue Bangue”, o cult perdido, é um filme de ruptura e de alternância de beleza e repulsa. Politizado, é uma crítica ao capitalismo com o enlamear do corretor, e à ditadura com o vômito. Um clássico da contracultura. Um ode e uma crítica à condição humana em tempos de exceção. Nas palavras de Luiz Pèrez-orama – curador de arte latino americana do MoMa – Mangue Bangue (…)” oscila entre o excrementício e o puro, a alvura e o mundano, o agônico e o estático (…) é a imagem de um mundo de poder reduzido a vômito, uma crítica radical ao nosso tempo e também uma das mais exacerbadas imagens da decomposição formal na arte ocidental”
Depois de tudo isso, relativo a um filme que só agora foi exibido no Brasil em mostras cinematográficas (Sesc Santo Amaro – SP e CCBB -Brasília), o que dizer diante do privilégio de assistí-lo? primeiro, que as impressões devem ser socializadas – chega de silêncios – Segundo, Viva o cinema brasileiro!
Saiba mais sobre o processo de restauração de filmes: (Aqui!) e (Ainda)
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