‘A Última Noite’ – um conto de natal sobre o medo

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‘A Última Noite’ – um conto de natal sobre o medo

Por | 2021-12-23T10:59:15-03:00 23 de dezembro de 2021|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

A Última Noite (Silent Night) (Comédia/Horror); Elenco: Keira Knightley, Mathew Goode, Roman Griffin Davis; Direção: Camille Griffin; Reino Unido, 2021. 92 Min.

Os consumidores de cinema, cinéfilos ou ocasionais, já estão acostumados aos filmes natalinos. Normalmente são comédias românticas, filmes família com lições de moral no final induzindo ao amor, à fraternidade e ao congraçamento, como: “Esqueceram de mim” (1990) e “O Grinch” (2000). A cineasta Camille Griffin apostou em outro estilo com “A Última Noite”. O longa se encaixa no padrão usual mas, é um álibi para se falar sobre o medo, que é sua coluna vertebral e de onde deriva várias questões em voga hoje. Esse paradoxo é abordado de forma criativa, brincalhona, com um humor bastante inglês. Entre uma piada e outra, usando clichês de filme de terror de forma irônica, o primeiro longa metragem da cineasta alivia o peso do argumento e deixa plantada sua semente de reflexão política e social num nicho não tão comum para tal.

O contexto é a noite de natal de uma família que decide reunir seus amigos de faculdade e suas famílias para festejar o último natal da humanidade, numa Inglaterra confinada, ameaçada por um gás mortal. A tentativa de deixar a realidade do lado de fora da porta é a ordem do dia. Conversar assuntos triviais, lembrar dos tempos de faculdade, brindar, dançar, enfim, confraternizarem-se. Mas, a realidade insiste em entrar e fazer parte das conversas com discussões que vão de política a ativismo ambiental, de filosofia existencial à educação de filhos, passando por justiça social. Assim, festa vai se transformando numa arena de gladiadores.

O forte de “Silent Night” ( no original) é o argumento e a forma com a qual ele é conduzido em meio ao calor humano familiar e às lembranças da juventude regado a champagne, mas costurado pelo medo. O que transforma a comédia familiar numa espécie de tragicomédia, um espetáculo de ironias no território do horror. Esse não-lugar no qual habita o filme é o lugar que Camille Griffin – que também roteirizou o longa – para falar sobre o fomento do medo, os usos do medo e suas consequências sem parecer dissonante. Inclusive, provocando um pertencimento do assunto ao momento, numa coerência com a temporalidade da produção. O cineasta que costuma fazer esta aproximação com seus filmes de terror é M. Night Shyamalan com “A Vila” (2004) que versou sobre questões sociológicas a partir de um suspense intrincado e “A Visita” (2015) onde desconstruiu o terror como ficção e o colocou o cotidiano.

“A Última Noite” por sua abordagem abocanhou os prêmios de melhor roteiro e do público na mostra fantástica do Festival Internacional da Catalunha, o Sitges e foi indicado a melhor filme na mesma premiação. Travestido de filme de terror pastelão o longa fomenta criticismo e desobediência civil sem dizer palavras de ordem, sem apontar polaridades, sem, sequer, se identificar com causa alguma, tendo todas elas ali em níveis e camadas diferentes explicitadas nos diálogos, nos estereótipos de sexualidade, no figurino, nas atuações, etc.

Com Keira Knightley de “Colette” (2018), Mathew Goode de “Downton Abbey” e Roman Giffin Davis de “Jojo Rabbit” (2019), o longa é sagaz, astuto e fora da caixinha.

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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