Todos Já Sabem (Todos Los Saben/Everybody Knows) (Crime/Drama);
Elenco: Penélope Cruz, Javier Bardem, Ricardo Darin, Bárbara Lennie, Carla Campra;Direção: Ashgar Farhadi; Espanha/França/Itália, 2018. 133 Min.
Ashgar Farhadi não é o cineasta do óbvio. É um cineasta que trabalha com as entrelinhas do cotidiano, do que há de mais comum, daquilo que todos vivem e que, por tal, pensam que conhecem. Para ele este é o lugar de destrinchar aspectos subjetivos e complexos. Foi assim em “O Apartamento” (2016) em que, a partir de um prédio rachado, do qual todos se mudam ele questiona a estrutura cultural fechada e em ruínas de seu país, o Irã. Dessa vez o alvo é a pureza de coração e a sordidez que a rodeia, sobre o quanto a nobreza do amor é usada pela vileza do egoísmo. É sobre o paradoxo de ter tudo e ter nada, concomitantemente. Tudo isso de uma forma sutil, lenta, num crescente de aspectos que vão se juntando até o grande desfecho.
Que todos temos segredos isso não é novidade. A questão é o uso que se faz desses segredos, ou o uso que se faz da ingenuidade do outro em relação a esses segredos. Esse é o viés que dá forma a essa história. Laura (Penélope Cruz) vai da Argentina a Espanha para o casamento da irmã num vilarejo europeu e leva junto seus dois filhos. Chegando lá sua filha Irene (Barbara Lennie) é sequestrada. É a partir desse catalisador que a história se desenrola descortinando todos os véus de hipocrisia das relações daquela familia, desencavando mágoas e segredos. O forte de “Todos Já Sabem” é o roteiro inteligente e bem construído a partir de um segredo de família, passeando pelo cotidiano de casa de vilarejo espanhol num dia de casamento: da cozinha aos convidados, da igreja a romaria a pé até casa da noiva, da festa dos adultos à brincadeira das crianças.
O longa foi dirigido e roteirizado por Ashgar Farhadi, ganhador do Oscar de Melhor filme estrangeiro em 2012 com “A Separação” e em 2017 com “O Apartamento”. O longa tem como atrativo os super astros de língua espanhola Penélope cruz, oscarizada por Vicky Cristina Barcelona (2008); Javier Bardem, oscarizado pelos filme “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007) e Ricardo Darin de “Koblic”(2016), o queridinho da Argentina; possivelmente como apelo comercial. Talvez aí tenha morado o equívoco. As atuações são comuns, retraídas e têm um espaço diminuto em relação a proporção da história. O elenco estelar gerou uma expectativa colossal, mas na história não cabia atuação colossal. E ficou a sensação de que falta algo. “Todos já Sabem” tem sua grandeza no roteiro e na direção de Farhadi. É uma obra eminentemente artística na arte de contar histórias com imagens. Gera uma atenção e uma apreensão digna de um bom thriller psicológico durante mais de duas horas – isso não é qualquer um que consegue – mas teria sido a mesma coisa com atores desconhecidos. Porque o poder está na história e não nas atuações. Por conta disso, “Todos Lo Saben” ficou aquém do esperado, em termos comerciais e de premiações desde Cannes 2018.
Independente disso, “Todos já Sabem” é um filme que vale a pena ser conferido pelo seu viés comparativo da sordidez humana com a pureza de coração; pela sua abordagem de questionamento sobre o que é ter tudo e o que é ter nada. O longa brinca com a desconstrução do conceito de ter, quando apresenta situações em que alguém tem aquilo que uma maioria designa como sendo importante dentro de uma outra em que alguém perde tudo o que a maioria designa que é importante, mas ganha algo que não tem preço; e aquele que, supostamente tinha tudo, perde o que pensava que tinha e que, na verdade, nunca teve. Essa é a vibe silenciosa de Ashgar Farhadi, o cineasta da entrelinhas. E vale a pena ver o filme com os olhos de ver. Altamente recomendável!
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