Em Pedaços

Em Pedaços

Por | 2018-06-16T19:50:46-03:00 18 de março de 2018|Análise cinematográfica|0 Comentários

Em Pedaços (Aus dem nichts/In the Fade) (Crime/Drama); Elenco: Diane Kruger, Denis Moschitto, Numan Acar, Johannes Krisch, Ulrich Brandhoff; Direção: Fatih Akin; Alemanha/França, 2017. 106 Min.

Há muito o que se dizer do filme alemão “Em Pedaços”, desde sua temática, passando pelas premiações e a fatídica tradução do título para a versão brasileira. O longa-metragem dirigido Fatih Akin versa sobre a brutalidade e ignorância do fascismo e suas consequências num viés de pessoalidade através da história de uma mãe que perde o marido e o filho num atentado terrorista neo-nazista. O filme ganhou vários prêmios no mundo inteiro incluindo melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro 2018. Mas, no Brasil sua versão brasileira para o título atrapalha as análises e a conexão entre o cerne das questões abordadas no roteiro e o espectador.

Katja Serkeci (Diane Kruger) é uma mulher que perde o marido e o filho pequeno numa explosão em sua loja numa bairro turco. Veio a se descobrir, através de investigações, que quem estava por trás do atentado era um movimento neo-nazista apoiado por um partido político. A obra disserta sobre a dor dessa mãe, sua luta para se manter lúcida e para buscar justiça. A linha de abordagem escolhida por Fatih Akin e pelo roteirista Hark Bohm é a de mostrar a devastação que um fato desses causa na vida de quem fica e o nível de violência sofrida por quem foi. Numa cena extremamente forte, uma legista descreve os ferimentos dos mortos aumentando ainda mais a noção da violência e descabimento por motivo tão tosco, nacionalidade.

A história é de autoria do próprio Akin, que é alemão com ascendência turca, bastante premiado mundo afora por suas obras cinematográficas (43 lauréis), sendo mais conhecido por “Contra a Parede” (2004) – Goya e leão de Ouro – “Do Outro Lado” (2007) – Cannes – e “Soul Kitchen” (2009) – Festival de Veneza – que, juntamente, com Hark Bohm do premiado “Yasemim” (1988) dão vida a essa história fatídica. Os grandes destaques vão para o roteiro e a atuação de Diane Kruger de “Bastardos Inglórios” (2009). Mas o desapontamento vai para tradução do título original “Aus dem nichts” – “Do Nada” em tradução livre – ou na versão comercial internacional “In The Fade” – No desvanecimento ou No desvanecer em tradução livre – para “Em Pedaços”. O que merece um olhar mais demorado.

A dublagem brasileira é uma das melhores do mundo, senão a melhor. Mas a tradução de títulos de filmes para a versão brasileira, um retumbante vexame, para não dizer desleixo. Para embasar o raciocínio ressalto dois exemplos, para depois entrar no cerne da questão de “Em Pedaços”. Na animação “A Era do Gelo: O Big-Bang” o fenomeno natural apresentado na obra é a colisão dos asteróides que extinguiram os dinossauros da terra, cujo título original é: “Ice Age: Collision Course” e foi traduzido como sendo o fenômeno natural que deu  origem à vida na terra, o Big-Bang.  Em “The Square: A Arte da Discórdia” – um filme importante, premiado com a Palma de Ouro  a abordagem são os paradoxos humanos, extremos opostos comportamentais e de crenças que habitam o mesmo indivíduo, e não discórdia. Em “Em Pedaços” por mais que a referência seja a alma da personagem que está em frangalhos, soou mal para um história que versa sobre explosões terroristas e que tem o final que tem. Ficou mórbido, por vezes debochado, atrapalhando o trabalho de quem faz análises de filmes e, mais, do espectador mais atento – que é o público alvo do filme -. Ver esses detalhes não cabe ao espectador, mais à crítica. Não há como fazer um trabalho de análise séria e deixar esse ‘detalhe’ passar batido. Isso pode atrapalhar a escolha do espectador em relação ao filme que vai assistir, o entendimento e até a receptividade daquela obra. Além de tornar possível um trocadilho de muito mal gosto. Temos que lembrar que um filme começa no título.

Dito isto, é importante acrescentar que o filme é forte. Tem uma abordagem procedente e cuidadosa, alerta para o ressurgimento do nazismo e não justifica o terrorismo. Daí sua conexão com o título “Do Nada”. O longa mostra todo um processo de morte da alma daquela mãe, inclusive com cenas de momentos sérios de reflexão e desistência de seus planos de vingança, até a decisão final. Fatih Akin toca na ferida de forma lenta e torturante mostrando o quão profundo vão os estilhaços do fascismo e as possibilidades de suas consequências e efeitos no outro. O cineasta merece ovações pela sua coragem e pela abordagem do viés escolhido, a história vai no fígado e faz pensar. Foi o indicado da Alemanha ao Oscar 2018, não foi para as finais, possivelmente, pelo seu enredo forte e contundente, mas fez bonito. Ganhou o Globo de Ouro, o prêmio de melhor atriz para Diane Kruger no Festival de Cannes e melhor filme estrangeiro da crítica de New York e do Vukovar Film Festival. “Do Nada” ou “No desvanecimento/Desvanecer” vale o ingresso.

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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