Êxodo: Deuses e Reis

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Êxodo: Deuses e Reis

Por | 2018-06-16T23:40:32-03:00 26 de dezembro de 2014|Análise cinematográfica|0 Comentários

Êxodo: Deuses e Reis (Exodus: Gods and Kings). (Ação/Aventura/Drama); Elenco: Christian Bale, Joel Edgerton, Ben Kingsley, Sigourney Weaver; Diretor: Ridley Scott; Reino Unido/EUA/Espanha, 2014. 150Min.

O conceito de superprodução cinematográfica mudou ao longo do tempo. Da época de “Os Dez Mandamentos” (1956),  “Ben Hur” (1959) e “Spartacus” (1960) em que os animais eram reais e  exigiam cuidados, os figurantes eram centenas e demandavam recursos e espaço físico à era de “Gladiador” (2000), “Hércules” (2014) e “Êxodo: Deuses e Reis” (2014) de Ridley Scott; em que se pode ocupar apenas um grande  estúdio e que o maior contigente são de computadores e técnicos em computação gráfica. Não que isso desmereça a grandiosidade da obra ou da história a ser contada, ao contrário, a torna mais verossímil em relação as possibilidades de  trazer para a “realidade” o que se imaginou, ou os aspectos  fantástico do que se pretende dizer. Mas, nos dá a sensação de menor esforço e tendemos a desvaloriza-la por tal.

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No caso de “Êxodo: Deuses e Reis” , por mais que se queira, se formos nos deter no cerne da questão da história e seus aspectos periféricos, vamos ter que fazer muita força para desqualifica-lo. Em primeiro lugar, porque se trata da História de um povo – os hebreus – hoje, a nação israelita, o que nos impede de questionar “realidades” ou “irrealidades”. Numa comparação literária, se encaixa muito bem na máxima de Ariano Suassuna…”Só sei que foi assim” e pronto. É História com letra maiúscula, ensinada nas escolas de seu território como sendo suas raízes, cultura e identidade e, apropriada como religiosa por outras culturas. Em segundo lugar – e  aqui entram as questões periféricas – se a narrativa cinematográfica não compromete a coluna vertebral da História e nem é acintosa para quem a adotou como preceito religioso, ela pode ser passível de criação artística – um Moisés guerreiro, ao invés de um velho com um cajado que guia um rebanho pelo deserto; um faraó que sobrevive ou um deus que é personificado como criança – como fez Darren Aronofsky em “Noé”, mesmo debaixo de muita polêmica, acerca dos guardiões de pedra, que não constam na história original. (veja a análise AQUI!).

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O grande astro dessa produção espantosa de Ridley Scott é o CGI (Computer Graphic Imagery) que consiste em imagens geradas através de computadores em três dimensões. O que possibilitou a imagetização das pirâmides sendo construídas pelos escravos judeus, dentre elas, a esfinge de Gizé; oito das dez pragas do Egito ( A das água em sangue, a das rãs, a dos piolhos, a das moscas, a da peste dos animais, a da saraivada de granizo, a dos gafanhotos e a das trevas), além da retumbante cena da travessia do mar vermelho. Cena essa que rendeu à primeira versão “Os Dez Mandamentos”  de Cecil B. DeMille , com Charlton Heston, o Oscar de melhor efeitos especiais da época. A imagetização da versão de Ridley Scott é bem mais realista e, obviamente, mais fácil de fazer hoje. Santo CGI!

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Esses aspectos são, possivelmente, os principais caracterizadores do filme “Êxodo: Deuses e Reis”, que se detém na história da libertação do povo hebreu da escravidão no Egito e se restringe, basicamente, a dez capítulos do livro de Êxodo (o segundo livro do Pentateuco) do quinto capítulo ao décimo quinto, de um total de quarenta. Ou seja, é um recorte de uma parte da história. E também, sua linha argumentativa é uma das camadas, dentre tantas outras, em que a história está inserida. A linha histórica foi o caminho que os produtores e Ridley Scott escolheram para abordar o evento. E o indício é a omissão da instituição da primeira páscoa, que designaria uma linha religiosa judaica e a omissão da composição do texto de Moisés, na noite da morte dos primogênitos, que viria a ser posto no livro de salmos, compilado por Salomão posteriormente, e que seria assinalado pelo número de 91, designando assim, o salmo 91, como sendo um dos poucos que não foram compostos por Davi, e mostrar essa composição literária ficaria soberbo, mas caracterizaria a linha religiosa ocidental. E ambos competentemente omitidos, indicam a exclusão da religiosidade  e a preferência pelo aspecto histórico.

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Porém, nem tudo são flores. Como que uma pequena maldição que assombra as superproduções, dois erros gritantes de continuidade, ameaçam tirar a graça da obra (sem trocadilhos), embora não consigam. Um deles é a sequencia de takes da topografia do outro lado do Mar vermelho, onde o povo hebreu aguarda o mar retornar ao seu lugar, e a sequencia da  cena do banho de mar de Faraó com biga, cavalos e tudo o mais. Mas, isso não é só privilégio de “Êxodo: Deuses e Reis” , em “Os Dez Mandamentos” (1956) um cego usa um relógio de pulso, em “Spartacus” (1960) vários soldados fazem o mesmo e em “No tempo das Diligências” (1939) marcas de pneus modernos são vistos numa película que é ambientada em 1776, isso para ficar por aqui. Se depender dos erros de continuidade, contando que tantas grandes obras o tiveram, o panteão da glória continua garantido para o filme de Ridley Scott.

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Sobre os demais aspectos cinematográficos, o roteiro foi escrito a oito mãos. Dois fieis escudeiros não tão experientes, Adam Cooper e Bill Collage e os pesos pesados, Jeffrey Caine de “007 contra GoldenEye” (1995) e indicado ao Oscar por “O Jardineiro Fiel” (2005); e Steven Zaillian de “A Lista de Schindler” (1993) – pelo qual ganhou o Oscar –  e “Hannibal” (2001).  A fotografia é assinada pelo polonês Dariusz Wolski de “piratas do Caribe” (2003/2006) e “Prometheus”  (2012), um verdadeiro primor. A trilha sonora é do Espanhol Alberto Iglesias, indicado aos Oscares de 2007 e 2008 por: “O Jardineiro Fiel” e “O Caçador de Pipas” e é, simplesmente, retumbante. Christian Bale, versátil, que foi de “The Machinist” (2004), passando pelo Batman da trilogia Nolan ao “Trapaça” (2013) faz um Moisés convincente para o contexto a que se propôs a história, e faz lembrar a interpretação de Russel Crowe em “Noé”  nos momentos de conversa com a entidade espiritual que o orienta. Já Ridley Scott, o diretor de “Alien: o oitavo passageiro”; “Thelma & Louise”; “Gladiador” e “O conselheiro do Crime”, trabalhos extremamente diferentes, encarou o desafio de mexer no vespeiro que é versar sobre as sagas, vistas no ocidente como bíblicas. Descansado da travessia do deserto, já anunciou “Prometheus II” para 2016. Te cuida Christopher Nolan! (rsrs)

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Em suma, “Êxodo: Deuses e Reis” é mais um épico sobre a história da humanidade com camadas paradoxais, históricas para uns e religiosa para outros, e que serve para deleite dos olhos e viagem da imaginação. Visto em IMAX/3D então?!… Retumbante!

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Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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