The Walking Dead

The Walking Dead

Por | 2018-12-03T20:26:47-03:00 9 de julho de 2014|Análise cinematográfica|0 Comentários

The Walking Dead. (série de TV – terror); Elenco: Andrew Lincoln, John Bernthal, Sara Wayne Callies; Rick otto, Lilli Birdsel; Dave Fennoy, Melissa Hutchison; Norman Reedus, Michael Rooker e outros mais; Diretor: Frank Darabont e outros. USA, 2010/2011/2012/2013/2014…

A série de TV da AMC, “The Walking Dead” retoma as suas temporadas, a quinta. Uma série, cujo arcabouço é o terror, mas que na realidade, versa sobre a história da humanidade, filosofia, psicologia, religião e possibilidade de se reescrever a jornada de todos nós. Os zumbis são apenas um pano de fundo para tanta argumentação procedente.

Criada a partir dos quadrinhos de mesmo nome, de Robert Kirkman, por Frank Darabont de “A bolha assassina”, “A mosca” e “A hora do pesadelo 3” – quase uma trilogia – isso foi no início da carreira de Darabont e inspirado pelo mundo de George Romero, “The Walking Dead” é uma espécie de Western urbano – estilo da primeira temporada – com um Cowboy que traz toda a carga de responsabilidade de salvar seu grupo/cidade dos ataques zumbis. A história é o que todos já ouviram falar do mundo Zumbi. Um vírus ataca o cérebro de pessoas que morrem e as traz de volta sem nenhuma das características de personalidade. Apenas almas penadas ávidas por carne.

Neste contexto, artisticamente, se destaca Greg Nicotero, um às da maquiagem de efeitos especiais, que criou um verdadeiro acervo de modelos de corpos mutilados e técnicas de composição de sangue e seu uso em cena, além de cabeças-robôs de  zumbis, para tornar as cenas mais reais.

Os quadrinhos de Robert Kirkman foram inspirados no filme de George Romero “A noite dos mortos-vivos” (1968). O cerne da questão é o apocalipse e a  premissa/pergunta é: “Se você tivesse a chance de começar a humanidade novamente, como você faria isso?

Na primeira temporada tem-se a noção do contexto. É um reconhecimento de área. Tudo é criado para gerar no espectador uma sensação de piedade e compaixão. Flores mortas, vidas secas, moscas. O mundo é um grande cemitério. A escuridão. A luz de um fósforo é a metáfora para a pequena chama de vida que ainda resta. A procura de um refúgio, o desamparo, a luz do dia que ofusca a visão. A posição fetal de Rick Grimes (Andrew Lincoln) e o choro.

A  “vida” agora pede o desenvolvimento de outras potencialidades, matar zumbis. A educação de Carl (Chandler Riggs) tem que ser readaptada a um mundo novo. A forma de ver a vida, as ações. Tudo tem que mudar. O mundo é outro. Sem luz, sem telefone, sem internet, sem celular, sem combustível fóssil, sem rádio, sem televisão,  sem capitalismo, sem organização social, sem civilização. As casas são de todo mundo e de ninguém. Adquire-se o que se precisa através de despojo. Pega-se o que é do outro. Os valores mudam. Grandes cidades inteiras abandonadas, habitadas pela morte. O silêncio, a estática, a morbidez.

A apresentação das personagens, da realidade e sua mudança, o retorno ao homem pré-histórico que, ainda, reside dentro de nós. A ciência que não consegue resolver mais nada, pois a realidade que ela criou e vendeu para todos, não existe mais. A ciência morre na explosão do CDC (Centro de Doenças Contagiosas). Sobrevive a filosofia, através da personagem de Dale (Jeffrey DeMunn). E a partir das premissas filosóficas inicia-se a segunda temporada.

Dale toma conta de tudo e faz pensar. Observa tudo, tem olhos de lince. É o instrumento do roteiro para entrar na história com questões mais profundas. A sobrevivência partir dos despojos, a mudança na educação das crianças, humanos como caça, o sumiço de Sophia (Madison Lintz ) filha de Carol (Melissa Mcbride)  numa insinuação clara da perda da sabedoria. Discute-se o poder da escolha sobre a própria morte, num digladiar de retóricas e  a questão religiosa também entra em cena. Entram numa igreja batista e são promovidas três conversas com o Cristo. Três tipos de fiéis diferentes. Daryl (Norman Reedus) fala de igual para igual; Carol, a mãe desesperada, se põe na posição de vítima e  Rick Grimes entra como Tomé, o que não crê mas está disposto.

Os questionamentos religiosos. estruturais da fé de um indívíduo são o cerne da questão da segunda temporada. Por que deus permitiu tamanha tragédia? Entra em cena Hershel (Scott Wilson ) um homem de fé, que vai alinhavar toda a trama. O clã de Hershel é um reduto de fé, ética, hierarquia e esperança.

Ainda existe exercício de afeto e solidariedade. A vida insiste em encontrar uma saída, Lori ( Sara Wayne Callies) está grávida. Surge o primeiro livro referência: ” A casa do homem desaparecido” de Jimmel Hilbrech. E as divagações versam sobre a diferença entre o que acontece e o que a gente pensa que é. O que consiste na diferença entre a realidade e a interpretação da realidade.

Cada personagem representa um tipo humano e sua reação dentro do contexto apresentado. Shane (John Bernthal) é aquele que apresenta uma crise de identidade e tanto. Rejeitado,depois de tanto devotar-se; revoltado, vigiado como a um inimigo, alijado dos momentos de alegria se refugia em suas armas. Hershel, no seu afã esperançoso, guarda seus parentes tornados zumbis num celeiro e os mantém, alimentando-os em segredo. Dentre eles Sophia é encontrada e morta. Metaforicamente, começa o princípio e o final de tudo – a sabedoria é morta – a barbárie está chegando. Se discute os conceitos de civilização, polimento, educação e bom senso.

As mudanças se iniciam. Carol nunca mais será a mesma. O vírus muta também e passa a se alojar nos vivos e mesmo que não sejam mordidos, quando morrem são tornados zumbis. Carl começa a crescer e explorar o mundo com cara de interrogação e uma arma na mão. O filósofo Dale também morre e enfim, se enterra a razão. O refúgio de Hershel é invadido e cai o último bastião da fé. Sem sabedoria, sem razão e sem fé, a barbárie está institucionalizada. São obrigados a recomeçar de novo em outro lugar, com novas regras, novos aprendizados, maior dureza, mais realismo e mais dor.

Os diretores da série também mudam, passam a se revezar por episódios sob a batuta de Frank Darabont e Greg Nicotero que se torna um dos produtores.

“The Walking Dead” oferece múltiplas visões da mesma coisa. Os lugares nos quais o espectador é posto para ver os acontecimentos e seus aspectos variam. O que possibilita perceber as diferentes camadas de uma mesma realidade.

Na terceira temporada a inversão total de valores e conceitos se estabelece. Um presídio de segurança máxima que servia para resguardar a sociedade de criminosos perigosos vira “lar doce lar”. O lugar de reclusão por castigo vira lugar de proteção e paz. O lugar de morte se torna num lugar de vida, seguro o suficiente para dar a luz a um bebê.

Cenas de morte e amputações. Greg Nicotero pega pesado e mostra tudo. No temor de se tornarem zumbis, se perde o amor ao próprio corpo e, por conseguinte, pelo outro. Uma verdadeira carnificina, que em nenhum momento se torna supérflua no contexto, pelo contrário é bem procedente. Em um ano de contaminação – tempo que as três temporadas abarcam – muita coisa mudou no mundo e nas pessoas. Tudo é mais cruel.

Não há mais junção de grupos entre vivos, cada um tem o seu. A solidariedade é até a página dois. Há competição acirrada por comida, espaço, território,  exercício de liderança e poder.

O retorno à idade da pedra é fatual. As armas brancas são as mais eficazes: flechas, adagas, machados, facas, lanças, tacapes. As amas de fogo fazem barulho, atraem zumbis e não são tão úteis. Os momentos de ternura e carinho já são raros. O “osso arma”  – 2001: uma odisseia no espaço – é revisitado na pré-história zumbi quando Glenn (Steven Yeun) retira o braço de um zumbi, o quebra e o dá para Maggie (Lauren Cohan) para que se defenda.

A desrresponsabilização vira discurso na boca de Maggie. As táticas são as animais…”ouví-los antes vê-los”…“matei dois errantes” diz Carl como se estivesse brincando de vídeo-game, para espanto de todos. Há aulas de como matar zumbis para os detentos do presídio. Carl passa a ser os olhos que tudo vêem. As avaliações e planejamento de vida passam a ser curtíssimo prazo (1 dia).

Aparece o Governador (David Morrissey),  a cidade Woodburry e a noção de territorialidade, fronteira, soberania, suserania e vassalagem e o American way of life style. Surge pela primeira vez a palavra terrorista. A cidade com cara de lar perfeito se reinventa,  usam zumbis para experimentos científicos de  pesquisa, rinhas, diversão e armas. Possuem torres de vigilância, arame farpado, grades, cercas, muros, manipulação da opinião pública, e começam a criar um exército. (qualquer semelhança não é mera coincidência). O território e a soberania são negociáveis. E Rick e o Governador sentam-se, literalmente, numa mesa de negociações  e fazem um relatório para contarem a história, fazerem História.

Já existem estranhos e conhecidos, o que se conquista e o que o outro pode tirar. Até a pena e a misericórdia foram embora. A pequena Judith nasce e Carl tem que matar a mãe, no sentido literal e no sentido freudiano. O pai Rick surta com toda a carga de responsabilidade. E inicia seu cultivo de ira e ódio. O choro de Judith chama a responsabilidade e carinho que Rick não quer e não sabe mais dar…um enlouquecimento lento e insuportável. A imagetização dos limites.

A compaixão é sepultada. Solidariedade, agora, é dar armas como proteção. A luz é o fogo de uma fogueira na escuridão de tudo, de conhecimento, de direção e  de discernimento. muito bem metaforizado na cena do mochileiro que pede carona e  eles não dão e quando o tal  é morto pelos zumbis, Rick e Michone (Danai Gurira) voltam, pegam sua mochila e prosseguem como se nada houvera acontecido. A humanidade foi reiniciada, começou o download.

Mas ainda existem cenas ternas, grandiosas. Daryl coloca a flor do caminhos da mães chorosas no túmulo de Lori. E o personagem de Norman Reedus ainda protagonizaria, do alto de sua robustez e dureza, a cena mais enternecedora da série – minha opinião-  quando da morte do irmão Merle  (Michael Rooker) em que o caçador forte e inquebrável, desmorona na pele de um irmão caçula que deixa vir a tona toda a significância do irmão mais velho e desaba no choro antes de mata-lo  (So3E15 ) estupendo!

O suspense e o terror são bons. Surpreendem, chocam, deixam os nervos à flor da pele. Os takes são inesperados, silenciosos e inusitados. O argumento de que a loucura é um lugar de onde se volta é esperançoso.

E finalizando, na quarta temporada a vida se estabiliza. O nosso homem pre-histórico se torna sedentário, re-descobre agricultura, a pecuária, fabrica instrumentos baseados na roda e se situa no tempo histórico dos neandertals.Começa a lidar com infecções – epidemias – organiza uma escola para as crianças e começa o exercício da hipocrisia…“não está acontecendo nada”. A organização social tem um conselho deliberativo.

O fio condutor da quarta temporada é a solidão, as consequências das mudanças e os equívocos. A reconstrução de uma nova identidade. Surge o livro referência “Tom Sawyer” o que transveste sua identidade e “Selected Shot Stories” de Jack London. A prisão é invadida e todos se espalham e têm que procurar sobreviver e conviver com a solidão.

A cena mais chocante dessa temporada diz respeito ao entendimento que uma criança tem do que acontece ao seu redor. Lizzy (Brightin Sharbino) mata sua irmã menor para que ela volte a vida  e a questão do que fazer com quem não se adapta a uma sociedade – a questão penitenciária em voga – a das instituições punitivas, que como não existem, só resta, então,  a mais primitiva delas, a do olho por olho e  dente por dente.

“The Walking Dead”, possivelmente, seja isso. A fabulação da saga da humanidade reinventada com nuances de segunda chance e que, possivelmente,  considera que o problema da humanidade sejamos nós e que faríamos tudo de novo da mesma forma.

Um trabalho primoroso de transposição de linguagem dos quadrinhos para a TV. Com uma trilha sonora de fazer viajar e umas metaforizações inteligentes. É uma série perspicaz e rica em argumentação.

Iniciando-se sua quinta temporada e confirmada por mais sete próximas temporadas, só nos resta prestar a tenção na argumentação que, até agora, não deixou a peteca cair. Bem-vindos à reconstituição imaginária e fabulatória da reconstituição da civilização! Bem-vindos à segunda chance!

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Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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