>>Nossos hábitos, o cinema e o que isso diz a respeito da nossa sociedade

Nossos hábitos, o cinema e o que isso diz a respeito da nossa sociedade

Por | 2018-12-13T04:36:51-03:00 31 de maio de 2018|Colunistas|1 Comentário

A primeira vez que Cinema & Movimento me propôs escrever para este espaço fiquei empolgada logo de cara, era justamente o que eu precisava: um impulso para escrever. Em seguida, pensei “vai ser tranquilo, eu relaciono as coisas o tempo todo”. Logo depois, comecei a pensar em temas que poderiam ser abordados e ideias brotaram a respeito dos assuntos que eu queria discutir aqui. Agora, quando eu parei para pensar quais filmes eu utilizaria para exemplificar o que eu queria dizer…(mais reticencias), espera um pouco, qual foi a última vez que eu vi um filme no cinema?

Foi então que me bateu: eu sou uma total dependente da nova forma de assistir produções cinematográficas. Dei uma rebuscada, mas poderia ser substituído por uma única palavra: Plataforma Streaming. Eu sou uma seguidora fiel do novo estilo de passar o fim de semana: ‘maratonando’ alguma série ou filmes online. Sem falar que há anos que eu nem baixo filmes ou séries, prefiro não arriscar com vírus e fico no mais prático ao invés de me preocupar com resolução e afins. Voltando ao tema, eu assisto produções audiovisuais o tempo todo, porém fui tomada por esta combinação streaming + séries. Eu passo horas do meu tempo acompanhando seriados por este meio e achei importante falar sobre isso.

“Ah, mas porque que importa falar sobre assistir série na online, todo mundo faz isso” Exatamente, a forma como a gente consome cinema, fala muito sobre nós, sociedade, e quem somos individualmente nesta estrutura. Um filme é uma expressão cultural, vai representar o pensamento da época, nossas concepções de mundo – ou irá de encontro a elas – as nossas capacidades tecnológicas, assim como nossos signos e os significados que damos a eles. O cinema está em constante movimento, assim como a nossa sociedade e a estrutura que construímos. O produto vai ser um reflexo disso, assim como a forma que ele é distribuído e para quem ele é distribuído. Poder assistir de casa um filme, na tela do celular, na televisão, no computador, sem gastar muito, é uma democratização que nunca tivemos antes. Algo que era meio inimaginável não faz muito.

Basta pensarmos no momento em que a sétima arte surgiu, primeiramente eram apenas captadas cenas do cotidiano, como uma estação de trem e o resultado exibido nas primeiras salas de cinema, foi extremamente impactante para o público, lembro de ler sobre pessoas que se assustaram por ver um trem em movimento na tela, nunca tinham visto algo igual, era até difícil de entender como aquilo era possível. Aos poucos, a criação de roteiros e filmes mudos se consolidaram – todos nós, ao menos uma vez assistimos alguma produção de Charles Chaplin. Aos poucos, a quantidade de filmes produzidos foi crescendo e cinemas se proliferando pelas cidades, ir ao cinema passou a ser uma atividade de lazer importante e produzir filmes, um negócio lucrativo, Hollywood se tornou Hollywood. Em algum momento, a televisão surgiu e com ela, novas formas de produzir entretenimento. Primeiramente, era raro ter um desses aparelhos, quem assistiu The Crown irá se lembrar de cenas de Elizabeth II assistindo televisão em um pequeno aparelho preto e branco, ela inclusive diz em algum momento que o aparelho era alugado. Nos anos 1960 a rainha da Inglaterra alugava um pequeno aparelho de televisão, hoje todo o tipo de família possivelmente possui ao menos uma TV em casa, ela é o centro da sala de casa e provavelmente tem uma tela grande. Cresci passando o fim de semana assistindo fitas da locadora e indo ao cinema com certa frequência, mais tarde, veio o DVD, mais adiante era baixar na internet, agora o que caracteriza o momento da produção audiovisual são as plataformas online de assinatura.

Descrever o processo de modificação da forma de distribuir, o que um dia foi artigo próprio do cinema não nos fornece apenas uma análise da transformação tecnológica, é também possível dissecar o comportamento cotidiano, como eram as relações sociais e a relação com a arte e quem tinha acesso a ela em cada tempo e usando como recorte justamente a relação da sociedade com o cinema. Falar sobre como hoje todos nós temos acessos ao streaming é falar de uma democratização – com pirataria reduzida – da arte em movimento.

Hoje, o cinema é luxo, o lazer do filme, não. Pode-se assistir indo para o trabalho. O quanto é positivo ou negativo para a própria arte cinematográfica que o público assista em uma tela de cinco polegadas já é passar para outra discussão. Além da democratização do consumo, isso tem como consequência uma diversificação de temas e formas de abordar. Quanto mais pessoas assistem, mais tipos diferentes assistem e a indústria acaba obrigada a se modificar para conseguir manter todos os públicos. As mudanças sociais acabam refletidas nas obras, produções como How to get away with murderer, show de televisão criado por Shonda Rhimes – produtora/roteirista negra criadora também de Grey’s Anatomy e Scandal e as três no ar atualmente – temos não apenas uma protagonista mulher e negra, ela é também bissexual, assim como os demais personagens são complexos, ricos e das mais diversas sexualidades e etnias. Sem falar no aspecto de que os personagens não são bons ou maus; são os dois, cheios de falhas e erros, são extremamente complexos como o espectador. Com How to get away Viola Davis conquistou seu primeiro Emmy de melhor atriz dramática, também o primeiro a ser conquistado por uma mulher negra. Todos estes pontos demonstram perfeitamente o que eu vinha pensando acerca do assunto, e se torna um bom exemplo sobre a importância da diversificação de plataformas de exibição em função da demanda de consumo diverso.

Agora temos o cinema dentro de casa, a televisão dentro da tela do computador, uma infinidade de produções para satisfazer todo os segmentos. O inconveniente é: ao mesmo tempo que é tão fácil acessar, é igualmente fácil se perder e ficar assistindo um monte de produções que muitas vezes acabam parecendo todas meio iguais e que não nos levam muito longe, já que as plataformas sempre vão nos indicando outras de acordo com as nossas preferências, o famoso algoritmo. Com todo esse bombardeamento, precisamos construir um olhar crítico ainda maior. Senão, acabamos passando umas sete horas seguidas assistindo episódios de algo que depois ficamos questionando se realmente foi válido e esquecendo a infinidade de excelentes filmes e séries que estão ao nosso alcance. O que é conversa para outra prosa.

Sobre o Autor:

Cientista Social em construção, aspirante a artista e viciada em livros – séries mais recentemente - amo cachorros, mas amo ainda mais gatos.

Um Comentário

  1. Pedro 21 de junho de 2018 em 12:07 - Responder

    Parabéns filha!
    Testo muito interessante e acrescento, já que fator determinante na tua análise, que a história da humanidade, vai ter uma linha divisória! Antes e depois da internet.

    Beijos

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