‘A Odisseia dos tontos’ e os movimentos dos sem poder

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‘A Odisseia dos tontos’ e os movimentos dos sem poder

Por | 2019-10-30T20:38:19-03:00 30 de outubro de 2019|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

A Odisseia dos Tontos (La Odiseia de los Giles/Heroic Losers)(Aventura/Comédia/Crime); Elenco: Ricerdo Darín, Luis Brandoni, Chino Darín, Rita Cortese, Andrés Parra; Direção: Sebastián Borensztein; Argentina/Espanha, 2019. 116 Min.

O cinema argentino tem um talento para contar histórias que parece que nasceram griots. Os níveis de subjetividade e complexidade, não raras vezes, são que elevam os roteiros argentinos as alturas, além das atuações que sob a batuta de diretores talentosos elevam a sétima arte argentina à mesma altura do futebol: produto tipo exportação. Com “A Odisseia dos Tolos” não é diferente. O longa tem a mesma maestria, graça, ironia e sagacidade de “Cidadão Ilustre” (2016); “O Clã” (2015) ou ainda, “Relatos Selvagens” (2014).

O contexto é um primor: a crise econômica no governo do Presidente Fernando de La Rúa no ano de 2001 e as consequências do plano chamado ‘corralito’ implementado pelo, então, ministro da economia Domingo Cavallo. O argumento é o uso de táticas do cidadão comum para sobreviver. E neste caso, para reaver o seu dinheiro que fora sequestrado por um advogado sem escrúpulos. Não, não é um filme político, muito menos um filme de militância ou de História. É uma comédia que traça um painel magnífico das possibilidades de tática de quem sequer é dono de território algum, os ditos sem território de poder ou tidos como ignorantes.

Baseado no livro de Eduardo Sacheri “La Noche de la Usina” o diretor e roterista Sebastián Borensztein e o próprio autor do livro, como roteirista, contam a história de dois amigos que decidem montar uma cooperativa às vésperas do plano econômico de Domingo Cavallo. Fermín Perlassi (Ricardo Darín) e Antonio Fontana (Luis Brandoni) iniciam uma convocação de moradores de uma pacata cidade para se cotizarem no levantamento de uma grande quantia em dólares para iniciar o negócio, e começam essa capitalização sem muita experiência. Acabam caindo na lábia de um gerente de banco desonesto que, por sua vez, está nas mãos de um advogado mais desonesto ainda, Fortunato Manzi (Andrés Parra). Depois da derrocada que foi o plano Cavallo e de estarem quase todos na miséria, eles descobrem uma maneira de recuperar os seus dinheiros. É aí que a história engrena para valer com situações bem comuns do dia-a-dia de qualquer um de nós, mas que ganha ares de altas conflagrações e ao mesmo tempo de uma esquizofrenia total. Esses altos e baixos propositais e cômicos fazem toda a diferença numa narrativa primorosa. Com diálogos inteligentes, procedentes, satíricos e mordazes.

Sebastián Borensztein é conhecido pelo premiadíssimo “Um Conto Chinês” (2011) e Kóblic” (2016). Com “A Odisseia dos tontos” ele já ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de San Sebástian e é o indicado da Argentina para concorrer ao Oscar 2020. O longa faz pensar, faz rir, faz chorar, tudo ao mesmo tempo. É um ode à inteligência da pessoa comum, o tal pacato cidadão. E faz muita coisa brincando: politiza. mostra o poder que tem a macroeconomia da vida do indivíduo, dá uma aula de coletividade quando ninguém consegue resolver a questão inteira sozinho, brinca com as conexões políticas históricas quando faz referência a queda da bastilha, ao revolucionário Bakunin e por aí vai. As atuações estão um deleite. Não tem como não reverenciar o cinema argentino…..Magnífico!

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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