Na última terça (08) o diretor Domingos Oliveira, as atrizes Fernanda Montenegro e Priscilla Rozenbaun e a produtora Renata Paschoal concederam uma entrevista coletiva pelo lançamento do filme “Infância” que ocorre neste fim de semana em sete salas de cinema no circuito Rio/São Paulo/Brasília. O filme é um relato de memórias de infância do próprio Domingos Oliveira e é um recorte de tempo de um dia de uma família da elite brasileira da década de 50. O entrevistados falaram acerca da adaptação da obra do teatro para o cinema, do perfil da elite brasileira da época, sobre a forma do roteiro, através de conversas, ainda sobre o uso das tecnologias cinematográficas e os projetos futuros.
O filme infância é uma adaptação da peça teatral ” Do Fundo do Lago Escuro” de 40 anos atrás e Domingos nos disse que não houve problemas em readapta-la para o cinema, pois histórias não têm problemas com idade, nós é que os temos e a infância é uma fase da vida que é sempre um bom assunto para se falar no cinema e que não é difícil contar histórias do passado.
Fernanda Montenegro que já havia atuado na peça teatral no papel de conceição (a filha) e que no filme atua como a avó (D. Mocinha) falou sobre essa troca de papeis e o quanto é positivo ver os dois lados, já que a filha é um joguete nas mãos do marido e a mãe é uma “pestilenta encantadora”. Domingos acrescenta: “O que me interessa na peça até hoje é o método crescente e reacionário da forma típica da sociedade burguesa, que não mudou muito daqueles tempos para cá. O código em uso era a mentira. A mentira é a norma, se você não mente você é um louco nessa sociedade”.
Perguntado sobre por que contar essa história tantos anos depois, Domingos respondeu que tinha vontade de saber o que ainda interessava na peça para os dias de hoje e rever o lado documental do comportamento das pessoas dos anos 50 e porque ainda gosta daquele linguajar. Fernanda acrescentou que, independente do tempo, as famílias podem não ser mais da mesma forma mas onde tiver um grupo humano, aquelas relações existirão. E o fato de falar da sordidez da classe média alta é inusitado. “No nosso cinema, com cineastas que vêm de classes abastadas, esses temas não são tratados. Todos se debruçam sobre uma classe média baixa e os desfavorecidos, quer no sertão, quer nas periferias da cidade (isso também é válido) mas o filme de Domingos tem essa coragem. Ele está falando de uma classe média alta, poderosa e bem relacionada. E nesse aspecto continua assim até hoje. Mais ninguém fala sobre isso, ninguém escreve sobre essa realidade que vem desde a velha república. Isso não é por conta de censura é por falta de coragem de pegar a sua própria herança cultural e famíliar e fazer disso um filme e, antes disso, uma peça.”
Sobre como trabalhar com quadros tradicionais em plena era de tecnologias cinematográficas Domingos disse que acha tecnologia uma chatice e 3D uma besteira e que, possivelmente, estes filmes terão uma vida curta. E que ele coloca a câmera onde ele gostaria de estar, depois move-se à medida que vê necessidade e que essa facilidade de filmar pode ser creditada a isso, ao local que ele gostaria de estar e vaticina: “Eu toco cinema de ouvido”. Fernanda continuou dizendo que: “Os anos 60 e 70 libertaram a gente dessa forma europeia e americana, nós fazemos cinema do nosso jeito. Em qualquer lugar do mundo que estivermos conhecemos a estética do cinema brasileiro” e acrescenta que o filme de Domingos é um filme político sem ser pastilhão clichê, não tem catecismo, não tem doutrinação política e não é panfletário.
Quando perguntados sobre o que acham que mudou, Domingos disse que em essência não mudou muito, só a mentira que deixou de ser pecado. Fernanda completa: o filme de Domingos não fala das mazelas sociais, mas fala do lugar onde as ações fazem com que elas nasçam.
O blog Cinema e Movimento (C&M) no embalo sobre as questões pertinentes ao fazer do filme fez a seguinte pergunta:
C&M: Como foi fazer um roteiro que traça um painel da elite brasileira dos anos 50 nos aspectos políticos e morais (sobre a hipocrisia) através de conversas?
Domingos: Modéstia à parte, sempre fui bom de diálogo e quando a gente atua, a gente tem uma noção privilegiada disso. É como fazer a interpretação de vários personagens ao mesmo tempo.
Fernanda: A forma com a qual ele escreveu o roteiro, que veio de um texto de dramaturgia, é poética, porque ele é uma pessoa que trabalha poeticamente seus textos. Ele nunca é reles, nunca é superficial, tem algo muito denso no Domingos. (…) ele é um testemunho de vida sempre imantado de talento, de vivências de delicadeza humana e também de realidade sem pudor. Por isso acho que esse nosso filme é um clássico que atravessaria anos que se seguem. Por não ser modismo, por não ter uma linguagem oportunista, por não ser uma dinâmica de picotar. (…) Domingos é um intuitivo.
Sobre os projetos Domingos está com uma autobiografia nas livrarias intitulada “Vida Minha” e lança este mês seu primeiro Romance “Antônio ou Primeiro dia da Morte de Um Homem” e está finalizando seu próximo filme que estreia em 2016 chamado “Barata Ribeiro 716” que versa sobre seus tempos de porre em 1963.
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