Entrevista: Se essa vila não fosse minha

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Entrevista: Se essa vila não fosse minha

Por | 2014-11-25T13:53:35-03:00 25 de novembro de 2014|Entrevistas|0 Comentários
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Exibição do documentário “Se Essa Vila Não Fosse Minha” para convidados. (foto: Sonia Rocha)

Numa manhã de terça-feira, num cinema da zona da sul do Rio de Janeiro, um professor da Universidade Federal Fluminense, cuja formação acadêmica passam por um mestrado e doutorado em literatura e pós-doc em semiologia da imagem pela Universidade de Sorbonne – Paris III, também jornalista, psicanalista, recebeu a imprensa, amigos, alunos e moradores da comunidade Vila Autódromo para a primeira exibição de seu primeiro trabalho como cineasta.  Trata-se do  documentário “Se essa vila não fosse minha”, que versa sobre a remoção de uma  comunidade para a construção de instalações para a realização dos jogos olímpicos de 2016. E nesta ocasião o cineasta Felipe Pena recebeu o Cinema e Movimento (CM) para uma entrevista.

CM: Fale-nos sobre você, Felipe. Quem é você?

Felipe: Sou professor de roteiro da UFF, formado em jornalismo, e estudo como a imagem pode transformar a narrativa. Minha base teórica é Lacan e sua linguística aplicada.

CM: Qual foi o seu objetivo durante a realização do documentário? Como você quis que a imagem tocasse o expectador?

Felipe: Em dois aspectos. Eu queria que a fotografia fosse areia e que esboçasse o sufocamento que eu senti quando cheguei lá e que os moradores sentem, e queria desse um sensação de vertigem. Não sei se isso aconteceu. Mas essa era a semiologia que eu queria para imagem.

CM: E, politicamente, qual é o seu objetivo?

Felipe: Somos todos seres políticos desde que nascemos e pedimos para comer. Toda narrativa é política, querendo ou não. A nossa é assumidamente, ela não é panfletária, mas temos o objetivo claro, que é falar da política de remoções no Rio de Janeiro. Mas falar a partir de uma vila. É a política de Leon Tostoi, “falo da minha aldeia para falar do mundo inteiro”. Essa é a nossa máxima. Falo da Vila Autódromo para falar do que está acontecendo no Rio de Janeiro. São várias as comunidades que estão sendo removidas, são várias as lutas do movimento dos sem-teto. Pela Vila a gente tem a simbologia de falar da cidade, ainda mais que a Vila está perto do parque olímpico, e a olimpáada está sendo usada para fazer a remoção.

CM: No documentário você faz um “patchwork” de lógicas. A lógica do morador que não quer sair coexiste com a lógica do morador que já saiu e ainda tem a lógica do espectador. Como você trabalhou isso?

Felipe: A única lógica existente, na minha opinião, é a lógica da alteridade. Que é você tentar entender o olhar do outro. Se você entrar com seu olhar só, essa lógica classe média alta, você não vai ser sensibilizado. A questão é olhar com o olhar do outro. Ou você tem o conceito de alteridade bem enraizado ou você não vai entender. O que estamos vendo hoje no país é uma intransigência, um aumento de pensamentos totalitários, passeatas pedindo a volta da ditadura e uma intolerância crescente. O filme também tem um pouco desse recado. Vamos olhar o outro.

CM: Mas, de alguma forma você tomou partido, porque no final você usou um recurso que incomoda e choca…

Felipe: Aquilo foi o meu lado psicanalista falando para mexer com o inconsciente. Mas, ao mesmo tempo, o filme termina com a fala dos moradores que saíram e com a dos que ficaram. A lógica do jornalismo é ouvir os dois lados e a psicanalítica de mexer com o inconsciente voltando-o para a questão existente.

CM: Em relação a exibição, circuito, distribuição, e tal?

Felipe: Ainda estamos conversando com o distribuidor e estamos em negociações com o canal Brasil. O objetivo foi fazer essa primeira exibição para um grupo restrito e para a comunidade primeiro, e partir daí a gente sair.

CM: Quais são suas expectativas em relação ao “Se essa vila não fosse minha”?

Felipe: Eu não espero. Só tenho preocupações. De que a mensagem seja bem passada, de que a linguagem estética tenha efeito sobre o espectador, de que percebam que houve uma edição, o uso da forma é não-cronológica. Quero que o espectador perceba que há uma interferência do documentarista. Agora, em termos políticos, é claro que eu espero que a Vila Autódromo fique, que as autoridades tenham sensibilidade e que faça a urbanização daquela área. É um lugar muito pequeno para não se fazer isso.

E aproveitando o ensejo o Cinema e Movimento ouviu também o Sr. Altair, presidente da associação de moradores da Vila Autódromo.

CM: Seu Altair, a lógica do espectador, poderia vir a ser, a de que essa seria uma oportunidade para mudar de vida, sair de uma vida difícil e começar uma vida nova em outro lugar. O que o Sr. diria para esse cara?

Seu Altair: A lógica é simples. A classe média não vive como uma comunidade, vive em condomínios onde as pessoas não se conhecem, não possuem uma cultura de aproximação, como tem numa comunidade. As casas na comunidade são coladinhas umas nas outras, os moradores estão sempre juntos, as crianças brincam juntas, é muito diferente de uma vida num condomínio. Eu acho que isso é história, a nossa história. E história não tem preço. Eu sofri duas remoções na minha vida, essa seria a terceira. E isso é muito ruim, você acaba sendo afastado dos seus amigos. A primeira remoção eu tinha quatorze anos, a pessoas carrega aquilo para o resto da vida. Por isso que hoje como representante dessa comunidade eu luto contra isso. Não tem progresso, não tem evento esportivo, nada justifica isso. Por causa de interesse de especulação imobiliária? Por que outros podem morar ali e eu não?!

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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