Esquadrão Suicida (Suicide Squad) (Ação/Aventura/Comédia); Elenco: Will Smith, Viola Davis, Margot Robbie, Jared Leto, Cara Delevingne; Direção: David Ayer; USA, 2016. 123 Min.
Penúltimo filme da temporada 2016 de super-heróis da expansão dos quadrinhos para o cinema “Esquadrão Suicida” é uma ode à transgressão, pontua criticismos sobre a falta de ética, é eivado de paradoxos, tanto quanto vilões serem super-heróis, numa metalinguagem fascinante que vai da trilha sonora díspar a seu uso dissonante. O longa metragem de David Ayer dá preferência a apresentação dos personagens, tanto a ficha técnica quanto as suas histórias pessoais, tanto a personalidade de cada um quanto seus sonhos. Mas, para um olhar mais atento a obra traz questionamentos políticos, ao capital e à vileza humana tanto quanto em “Deadpool“, só não tem a mesma graça. “Suicide Squad” ( no original) primou pela arte trash.
Esquadrão Suicida é um grupo de mercenários criados por Robert Kaniger e Ross Andru para as HQs da DC Comics. Surgidos em 1959, em plena guerra fria, na revista “The Brave and the Bold” #25 eles reapareceram em 1986 com a formação atual na legends#3. A partir dessa retomada a ideia de mercenários criminosos se estende para super-vilões que em troca de liberdade se arriscam em missões suicidas. Sob o comando de Amanda Waller, doutora em Ciências Políticas, funcionária do congresso americano e com acesso direto à Casa Branca, o Esquadrão Suicida tem sua fidelidade assegurada pela injeção de nanopartículas explosivas na musculatura do pescoço. A história que deu origem ao filme de David Ayer foi a versão de John Ostrander de “The Spectre”; “Star Wars Comics” e os vídeo-games de Batman: Arkham entre outros. E sendo a apresentação de uma franquia que tem continuação, como foi o caso de “Batman Vs Superman: A Origem da Justiça“, a forma de condução da história é incipiente. Mas, para histórias que vêm das HQs, que tradicionalmente tem um fundo de abrangência de assuntos e superficialidade na abordagem, até que está de bom tamanho e vendeu bem o peixe.
Roteirizado pelo próprio David, o longa-metragem apresenta cada personagem, seu histórico criminal fora de linearidade, em forma de Flash backs, e misturados a uma tatibilidade e velocidade com ritmo cadenciado, que nos remete, em alguns momentos, a “Sin City“. Faz referências a filme famosos de Serial Killers como “Hannibal” (2001) e “Laranja Mecânica” (1971) e pontua o perfil psicológico de cada um, o que desencadeou sua dissonância em relação à ordem vigente e suas fragilidades. “Esquadrão Suicida” é um grupo de vilões psicóticos e lunáticos. Psicopatas e sociopatas defendendo um governo que os contratou para usa-los como arma contra amigos e inimigos. Eles são a cura para a subversão de uma ordem que é subversa e paranóica. Uma prevenção neurótica contra traições de super-herois poderosos. Logo não se confia em quem contrata, não se confia no trato, não se confia no outro. Ou seja, caos total.
Nessa sopa de desconfianças Magia (Cara Delevingne), que também deveria fazer parte da equipe, vira a vilã superpoderosa a ser combatida e desperta toda a fúria de Amanda Waller (Viola Davis) que junto com o coronel Rick Flag Jr. (Joel Kinnaman) tenta detê-la e a seu poder descomunal. A pergunta que não quer calar é: O que tem de diferente essa história fraca e sem profundidade (clichezona) das histórias em quadrinhos das quais são oriundos? Nada. Cada gênero e estilo de filmes tem seu métier não se pode esperar de uma expansão de HQs para o cinema um estilo de filme francês. O ‘X’ da questão em relação aos quadrinhos que nos dá um prazer que o cinema tira, e que é o diferencial da linguagem, além da imagem em movimento, é aquela coluna branca entre as imagens. Esse recurso, aparentemente inócuo, funciona como o pulo da imaginação – fisiologicamente falando – Possivelmente, jamais veremos quadrinhos com as imagens coladas umas às outras. Esse é o espaço de liberdade que atravessa pelo nosso aparelho perceptivo e que proporciona uma experiência diferente para cada leitor, mesmo sendo composto por imagens. No cinema este pulo da imaginação não existe, ele é reduzido ao que é posto na tela. Ele é empobrecido de alguma forma, mesmo com toda a riqueza tecnológica. E analisando por este prisma, ver “Esquadrão Suicida” na telona e esperar dele o mesmo efeito dos quadrinhos é usar antolhos. Ver esquadrão Suicida a partir da história é perder muito da riqueza política e filosófica que está posta nos personagens. E David Ayer mandou bem na abordagem da existência do grupo e seu uso como uma confissão de que a ordem vigente não funciona. A implementação do projeto Suicide Squad é a transgressão da transgressão, é a violência defendendo a violência do ato de não se dar por rendido pela falta de razão, de impor-se ao outro com arbitrariedade de poder. A formação e utilização do “Esquadrão Suicida” é a institucionalização da arbitrariedade de poder magnificamente representado por Amanda Waller. Se David Ayer pecou em alguma coisa foi em não ter contado a história de Amanda como fez com os demais. Uma história tão dura, tão triste e tão feia quanto a de todos os outros, ou mais. O que explica suas atitudes e o fato de ela ser como é.
A graça e o poder do Esquadrão Suicida está na história de seus componentes e o que eles fazem com ela através do esquadrão. Como eles lidam com o hospício que é o mundo. Em “Esquadrão Suicida” os loucos são o congresso americano, Amanda Waller e a corporação Wayne ( a representação do capital). O longa é dicotomia à toda prova e caos sob caos, metaforizando não só o mundo e as relações entre as pessoas, como o interior confuso dos personagens, e disso David Ayer deu conta.
- Este parágrafo contém spoilers (se não quiser lê-lo pule para o próximo, não alterará o raciocínio). Após assistir o filme, retorne.
Uma das variantes do filme que merece destaque é a tentativa de socialização. A cena de Arlequina (Margot Robbie) lendo Georgia O’Keeffe e tomando chá na cela é uma metáfora belíssima do adestramento social. A aula de hipotenusa que Pistoleiro (Will Smith) dá para filha é sensacional quando explica como achar o valor da hipotenusa a partir do seu trabalho de matador, e abre um parêntese para as considerações das variantes ao encontrar o valor exato, questionando que se deveria considerar…. “(…) o recuo da arma, a trajetória curva da terra, o atrito com o ar, a velocidade do vento… há muitas variantes” Essa cena é uma das explicações sobre o quanto o mundo é uma invenção dura feita por quem tem o poder da convenção, sem levar em consideração tantos aspetos importantes, possivelmente, a subjetividade dos indivíduos. As camadas dos aspectos políticos e filosóficos são abordados de forma brilhante, vistos na conversa da cena do bar. Os personagens psicóticos são cônscios de seu papel no jogo. As metáforas são excelentes: o amor e o ódio são dois lados diferentes de uma mesma arma (uma pistola de cano branco) portada por Arlequina, que também carrega um taco de baseball com a palavra “Bom ou Bem” em tradução livre com o qual ela mata e massacra todo mundo que passa pela sua frente. Ou seja, o longa possui pequenas nuances e detalhes minimalistas que dizem muito e dão sentido à história do grupo e não a história do roteiro, e esses links não estão lá atoa. Mas a magistralidade está em usar a transgressão como personagem principal, em termos de subjetivação. E como chamariz de público o sarcasmo, presente, inclusive, no uso da trilha sonora. O que nos faz lembrar “Guardiões da Galáxia” (2014). Vale lembrar, ainda, que David Ayer de “Corações de Ferro” (2014) trabalha bem as camadas de violência e suas conexões internas no indivíduo e nuances políticas em seus filmes.
Quanto aos aspectos técnicos é interessante dizer que a transposição feita com qualidade, na minha opinião, foi a da arte. A “vibe” dos quadrinhos não é a profundidade e conteúdo, mas a arte, e isso “Suicide Squad” tem. Da fotografia a trilha sonora; da direção de arte ao figurino, dos enquadramentos as atuações. A fotografia do russo Roman Vasyanov – indicado ao sapo de ouro no Camerimage por “Corações de Ferro” – tem a pegada das HQs da DC Comics, sombria, fechada e que metaforizou bem a alma dos desajustados. Da mesma forma, o designer de produção assinado por Oliver Scholl de “Independence Day” (1996). A direção de arte de Brandt Gordon de “A Colina Escarlate” (2015) fecha harmonicamente com o que se propôs. Esses aspectos fizeram uma boa transposição da HQ para a telona. A trilha sonora de Steven Price, oscarizado por “Gravidade” (2014) dão o tom do paradoxo e do sarcasmo da trupe em relação ao mundo, que vai de Queen a Rolling Stones e é absurdamente prazerosa e dissonante e foi feita para ser assim. Sem esquecer do figurino de Kate Hawley de “O Hobbit” que fecha a tampa contemporaneizando as personagens. Mas as atuações merecedoras de menção foram as de Arlequina que roubou a cena geral e as de Coringa (Jared Leto) que, mesmo sendo um personagem que atravessa o filme, não conectou sua atuação ao coringa de Heath Ledger – o que já é um mérito – ficou mais para o charada de Frank Gorshin da década de 60. “Esquadrão Suicida” está mais para “X-Men: Apocalipse” do que para “Deadpool”. Agora é esperar por “Dr. Estranho” para fazer o ranking da temporada 2016 de super-herois no cinema.
Em suma, em tempos atuais em que no contexto político mundial se tem a quebra da ética nas relações pessoais, nos acordos governamentais, nos tratados econômicos e nos regimes políticos, nada em “Esquadrão Suicida” soa estranho. Ao contrário, o filme disserta muito bem sobre isso brincando de bang-bang de maluco, sendo uma ovação a transgressão, um atestado da institucionalização da falta de ética e uma crítica à sociedade judaico/cristã/ocidental vil e hipócrita. Só que essa “vibe” é para poucos olhos. David Ayer foi discreto e ousado ao mesmo tempo… como ia dizendo, metaforicamente dicotômico. Vale o ingresso pela diversão e pela sacada.
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