Lucy. (ação/ficção científica); Elenco: Scarlett Johansson, Morgan Freeman, Choi Min-sik , Amr Waked; Diretor: Luc Besson. França, 2014. 89 Min.
Nota: Este texto contém spoilers
Uma das maiores dificuldades de se falar sobre um filme, seus aspectos e possíveis fabulações inerentes ao enredo, é precisar o que se quer dizer a cerca do entendimento do mesmo, sem o uso de cenas como exemplo, os famosos spoilers. É um exercício e tanto, que confesso, como me propus a uma análise, ainda não foi dessa vez que consegui. Mas também pudera, Luc Besson encheu o filme “Lucy” com significações imagéticas a partir da mise-en-scène, referências históricas, antropológicas, matemáticas e de física quântica numa salada interessante e que possibilita viagens fantásticas.
O filme tem como eixo condutor a possibilidade de acesso, do ser humano, de cem por cento de sua capacidade cognitiva. Com meandros de fantasia alavancados por conceitos científicos da física quântica, como múltiplas realidades e multiverso, a evolução do homem à luz da antropologia, o conceito de ondas de frequência da física mecânica e matematização da realidade numa conta que nunca fecha, a teoria do caos, o conceito de autopoiesis da biologia; o ter e o ser da filosofia, o macrocosmo e microcosmo, as artes e suas representações pictóricas de tempo e, ainda, as ressignifica. Só para falar das principais nuances abordadas no filme. Besson traz a noção parca desses conceitos para os pebleus em forma de blockbuster, num exacerbo de imaginação de dá gosto, no mais americano dos filmes franceses, e começando por aí já temos uma bela contradição. Isso tudo de uma maneira imagética divertida e surreal.
Tudo se inicia com dois seres humanos, no nível dez por cento, Lucy (Scarlett Johansson) e seu companheiro Richard (Pilou Asbaek) caindo numa armadilha. Traçando uma analogia entre animais e humanos como presa e predador, em pleno domínio dos sentidos, insinuado imageticamente, com cortes para planos de pradaria, animais à espreita e a própria composição da mise-en-scène com as roupas que vestem os personagens. Após se tornar presa fácil, Lucy é aliciada para transportar a substância CPH4 – nome fictício de um hormônio produzido por grávidas. O composto é altamente concentrado e é disposto no interior de seu estômago. A brincadeira começa aí, o pacote se rompe e inicia-se o processo/jornada de evolução cognitiva de Lucy por osmose.
A história é entrecortada pelo princípio antropológico da ideia de evolução. Nos é apresentada a primeira hominídeo fêmea, “LUCY” – um fóssil de 3,2 milhões de anos encontrado na Etiópia em 1974 pelo arqueólogo Donald Johanson – e a partir dessa ideia de evolução que está completa, a do corpo, da fisiologia, da integração com o meio, através da primeira mulher erecta “homo sapiens” , somos induzidos a fazer uma analogia com a primeira mulher a evoluir no, aspecto em que há defasagem, a cognição. Partindo do pressuposto (irreal) de que usamos somente dez por cento de nossa capacidade de inteligência, e das ilações sobre o caminho a ser percorrido nesta evolução, sobre as potencialidades a serem desenvolvidas e o processo de como isso, possivelmente, se daria, Luc Besson nos leva a um parque de diversões com Lucy (Scarlett Johansson), a primeira mulher a usar cem porcento de sua capacidade cognitiva. Numa analogia e tanto.
Para desenvolver tamanha argumentação sem cair em esparrelas gritantes demais, pois falar de física quântica em imagens já é doideira suficiente, Luc Besson foi conversar com cientistas da cognição para elaborar a história, que diz estar gestando a mais de dez anos, e ainda, fala sobre todo o processo de preparo do trabalho de direção com os atores de “Lucy”, em entrevista. (Aqui!). Sobre a física quântica, a explosão do tempo, sua relatividade e queda das barreiras de eras, que o humano primitivo impôs é imageticamente hilário, mas possivelmente, foi feito para sê-lo. Ninguém aguentaria tantos conceitos trabalhados com sisudez num espaço que foi feito para serem desauratizados de seu lugar sagrado, o clube científico com sua linguagem blindada. A noção de microcosmo e macrocosmo, a célula que contém o universo, e é contida por ele e ambos funcionam fisiologicamente no mesmo sentido e direção, a de expansão. Numa analogia não discursiva belíssima.
A constituição do universo tem o mesmo caminhar e sua linguagem é a matemática, a unidade de medida é o tempo. As ondas de frequências que se afinam e invadem o espaço de outros âmbitos, o eletrônico, o eletromagnético, as ondas de pensamento, frequência de energia capaz de interferir em qualquer campo energético. A escala de evolução é porcentual, porém preconizando a inexatidão, a quebra das barreiras do tempo, a existência de vários períodos juntos, o que preconiza a física quântica, que mesmo sendo chamada de pseudociência para alguns, é coisa séria para outros, que o diga Heisenberg (prêmio Nobel de física). A relatividade da realidade, segundo o argumento, está na dependência da evolução cognitiva. O que leva a revolução e à transcendência. As teorias científica modernas mais bizarras são ludicizadas através da imagem numa estratégia de explicação divertida e acessível para quem tem essas redes de conhecimento.
A filosofia está presente em tudo, mas muito principalmente, na pergunta inicial, “Vivemos para ter (…) criamos a vida e depois não sabemos o que fazer com ela. O que fazemos com a nossa vida? ” indagação essa, que ousadamente é respondida no final. Numa linha de coerência com o que foi apresentado como argumento digna de aplausos. O acúmulo de conhecimento, já que se fala de cognição, é posto como um meio de trancendência e para ser compartilhado e não como patrimônio particular. Os sentidos primitivos, representados, especialmente, pela dor – que carrega em si todos os sentidos básicos – são sublimados. Não são esnobados, são desnecessários. A vida é representada como aquisição e troca de conhecimentos e potencialidades.
A criatividade na imagetização de uma suposta autopoiésis, – independência celular e autogestão de si mesma – com a ajuda de efeitos especiais, o famoso CGI, é muito criativa, mãos que se duplicam, cabelos que mudam de cor e crescem do nada, e células que decidem se autofagocitar, na cena do avião. Tudo trazido de forma, não a dar aulas, mas divertir o grande público, e fomentar aos teóricos de plantão a visão do que postulam como teoria. Um delírio inteligente, que parece gratuito mas tem a ver com o que se propõe.
Nesse festival de imagens de conceitos e de uma história bem inventiva ainda temos a trilha sonora de Eric Serra com inspirações em trechos de “God’s Whisper” de Raury Tullis e “Requiem Aeternum” de Wolfgang Amadeus Mozart, num festa para os sentidos que potencializa a história. Dirigido e roteirizado por Luc Besson de “O quinto elemento” (1997) obra que lhe deu o Cesar 1998 de melhor diretor. “Lucy”mistura um pouco de “Teorema zero” (Terry Gilliam) no que concerne a teoria do caos e “Transcendence – a revolução” (Wally Pfister) no que diz respeito ao objetivo da evolução. Scarlett Johansson de “Ela” e “Sob a pele” fecha a tampa da temporada 2014 com chave de ouro. Já o oscarizado Morgan Freeman de “Transcendence” esteve onipresente este ano participando de nada mais, nada menos que oito produções dentre longas e curtas. “Lucy” conta também com o ator sul coreano Choi Min-sik (Mr Jang) conhecido por “Oldboy” de Chan-wook Park. E finalmente, Amr Waked ( Pierre Del Rio) ator egípcio premiado em festivais e conhecido por “Syriana – a indústria do petróleo” de Stephen Gaghan, que só pelos olhos já vale a atuação (para quem tem dez por cento de inteligência. rsrsrs).
A imagetização de tudo isso, para os olhos dos desprovidos das noções dos conceitos transformam o filme numa belíssima obra de ação e aventura. Uma salada que mistura das artes marciais a colisões de carros e muita adrenalina. Para quem tem as redes dos conceitos ou das noções deles é um desfile de modos de imaginar o abstrato. Pois tem estilo didático-imagético sobre os conceitos que aborda. E o faz de forma leve e divertida o que tira o carma pesadão das teorias científicas e filosóficas. Enfim, é um filme inteligente que agrada a uma diversidade considerável de público, aos gostam de ação, aos que curtem ficção científica, aos que se identificam com filosofia e aos cinéfilos que gostam de comparar filmografias, pois é um prato cheio, em relação aos últimos filmes de Scarlett Johansson e também á filmografia do próprio Luc Besson. Tem humor, ação, reflexão e muita beleza. Mas pode ser muito mais do que isso ou muito menos. Afinal, como dizia Heinz Von Foerster “ninguém vê o mesmo vermelho“. Vá ao cinema e veja seu próprio filme.
Excelente post, obrigado, esse filme ancho que é bom, o trabalho de Morgan Freeman é inigualável. Quando vi o elenco de Despedida em grande estilo, automaticamente escrevi nos filmes que deveria ver porque o elenco é realmente de grande qualidade, ancho que é umo dos mais divertidos filmes com Morgan Freemané um dos meus preferidos, por que sempre leva o seu personagem ao nível mais alto da interpretação, seu trabalho é dos melhores. Eu ri muito