Mad Max: Estrada da Fúria

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Mad Max: Estrada da Fúria

Por | 2018-06-16T23:47:29-03:00 15 de maio de 2015|Análise cinematográfica|0 Comentários

Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road).  (Ação/Aventura/Sci-Fi); Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrn; Direção: George Miller; Austrália/USA. 120 Min.

“Do pó viestes ao pó voltarás”

(Gênesis)

Depois da trilogia pós-apocalíptica criada, dirigida, roteirizada e produzida por George Miller, “Mad Max” está de volta contextualizado às novas tecnologias, exponencializado nos aspectos que se referem às suas características como produto, e  fiel aos alicerces que deram a franquia o seu estilo. Porém, muito mais artístico e empoderado que os anteriores.

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A franquia “Mad Max” tem um contexto, enquanto história, de luta pela sobrevivência após a extinção dos combustíveis fósseis e, portanto, da forma com a qual as civilizações viviam. Tem também uma marca bem definida em relação a estrada, a um mundo masculinizado e à máquina/motores como extensão da força humana. Os aspectos filosófico/antropológicos não faltam a franquia, em forma de metáforas: os homens e os animais habitam o mesmo espaço e se devoram como alimento;  a vida e o poder se reduzem ao combustível – a água aparece com mais força em “Estrada da Fúria”  – num regresso metafórico a uma “pré-história da pós-modernidade“; os homens (humanidade)  são divididos em tribos, a sexualização é lasciva e sem afeto, sodomita e eivada de tortura ( bem definido em ” A caçada continua”), a terra devastada é o homem devastado, vazio, seco e sem vida. Um homem que disputa a “involução”, o retorno do mais sórdido e bárbaro estado das relações. No mundo de Mad Max não há lugar para o cativar. Similar à este arcabouço de roteiro sobre a sobrevivência ao apocalipse temos “O planeta dos macacos” e “Walking Dead” em que a agonia da tentativa de sobrevivência neste contexto de juízo final traz à tona o homem primitivo.

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Mas a graça da franquia é imbuir tudo isso de estilo. Trazer o clima de motoclubismo, de rebeldia escolhida e de uma sincronia e coreografia que faz o espetáculo acontecer. Em “Mad Max: Estrada da Fúria”  a palavra é essa, espetáculo. Uma ópera que insere coreografias, música (som direto)  ação e ritmo. Um balé de revoltosos curtindo sua desgraça de forma efusiva.

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O enredo resume-se a uma perseguição a Imperator Furiosa (Charlize Theron) que se desvia do caminho designado por Immortan Joe (Hugh Keays-Byrn) levando uma carga preciosa – todas as mulheres de Joe, dentre elas uma grávida. Neste contexto, junta-se a elas Max (Tom Hardy) e posteriormente Nux (Nicholas Hoult). É esse o panorama em que se apresentam as novas contextualizações da franquia e sua consagração na manutenção do estilo em forma de espetáculo cinematográfico.

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No quesito novas contextualizações estão o papel desempenhado pela mulher e o uso de tecnologias de computação gráfica em doses homeopáticas – recursos esses que não existiam com esse uso nas décadas de 70 e 80.  Em relação às mulheres, em Mad Max (1979) elas aparecem como mães e como algo a ser protegido,  potencialmente frágeis e desconsideráveis. Em “A caçada Continua” (1981) são bobas, fáceis de convencer, manipuláveis e sem discernimento e iniciativa. Em “Além da Cúpula do Trovão” (1985) têm poder, mas não tem a força para geri-lo que estão depositadas em Master e Blaster. Em “Estrada da Fúria” a luta é de iguais numa inserção ao novo contexto social mundial. A elas é dada a palavra “não somos coisas” dentre outras metáforas de cunho de liberdade sexual, e dada a atenção ao legado dessas mulheres, na metáfora das sementes. Em toda a franquia o papel da mulher nos quesitos importância e obtenção de espaço na história vem num crescente. Obviamente, ainda existe uma nesga de objeto sexual. Mas, isso também faz parte do conceito de primitividade humana que é o chão do enredo. Nessa nova versão a mulher é a linha que costura  a estrada da fúria. Em relação ao uso da tecnologia computacional ela viabilizou a potencialização do estilo da franquia, tornando tudo mais grandioso. Mas, foi mantido o espetáculo real, a computação gráfica, apenas,  complementou  aquilo que a realidade não possibilita fazer.

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George Miller, aos setenta anos, dá um banho de competência e fidelidade a sua ideia inicial. E insere metáforas diversas como a da poeira – tornando ao lugar de onde viemos mitologicamente –  a do braço amputado (a mulher a quem falta algo ) e a da música Little Secrets, dentre outras. A fotografia do australiano John Seale é formidável em tons de vermelho, laranja e amarelo de dia, e  azulado a noite, também não é para menos, oscarizado por “O Paciente Inglês” (1996), tem no currículo  filmes como ” Sociedade dos Poetas Mortos” (1989),  “Filhos do Silêncio” (1986) e “O Talentoso Ripley” (1999). A trilha sonora é uma ópera de fogo, bebendo na fonte de Hans Zimmer, com quem trabalhou em “Batman: O Cavaleiro das  trevas Ressurge” e o “Homem de Aço”, o holândes Junkie XL Mandou muito bem. O som direto é absolutamente estonteante e é um capítulo à parte, quase um personagem. A atuação de Tom Hardy não ficou para trás e não deixou a desejar ao Mad Max de Mel Gibson, ao contrário, o repaginou. Quem rouba a cena, literalmente, é Charlize Theron, oscarizada por “Monster: Desejo Assassino”, está impagável como Imperator Furiosa. Outro destaque é para o indiano Hugh Keays-Byrn, o immortan Joe, que também atou no filme de 1979. Não é tão fácil como parece atuar, quase que somente,  com os olhos.

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Com um orçamento de cem milhões de dólares e filmado nos desertos da Namíbia, Austrália e África do Sul, a revisão da obra de George Miller, por ele mesmo, é uma ópera do realismo fantástico, uma mistura de espetáculo circense com balé medieval, uma experiência de clip de 120 minutos. Altamente eletrizante, é um manjar para os sentidos de quem já era fã, mas também um portal para arrebanhar as novas gerações. “Mad Max: Estrada da Fúria” eleva George Miller a gênio criador de uma cinestesia orgasmática no cinema e, possivelmente, a autor de uma das obras de arte cinematográfica contemporânea.

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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