À Beira Mar ( By the Sea). (Drama/Romance); Elenco: Angelina Jolie Pitt, Brad Pitt, Mélanie Laurent, Melvil Poupaud; Direção: Angelina Jolie Pitt; USA/França, 2015. 122 Min.
Angelina Jolie Pitt, aos pouquinhos, contra todos os prognósticos e resistências, tem feito trabalhos diferenciados como cineasta. Independente do que se diga, com coragem e ousadia foge da mesmice. Com “Invencível” (2014) propôs uma ode aos EUA, ao mito do herói que tudo suporta com um viés enxuto, cheio de leituras semióticas com uma pesquisa histórica e direção de arte louváveis. Com “À Beira Mar” sai da gramática norte-americana ( o que não era esperado) e investe num estilo meio afrancesado, lento, moroso, reflexivo e cheio de metáforas. Falado em francês e inglês, mais aquela do que esta, o longa versa sobre crise conjugal misturada a uma depressão cavalar, e toca de leve no armistício feminino, além de ser uma ode ao voyerismo.
Vanessa (Angelina Jolie Pitt) e Roland (Brad Pitt) depois de um trauma na relação resolvem viajar para recomeçar. Roland é escritor e não consegue iniciar uma linha sequer, seu vício, o álcool. Vanessa foi dançarina, seu vício é a infelicidade, e se encontra num estado depressivo profundo e com isso mina a relação de 14 anos e cultiva a dor. Até chegar ao hotel em que estão hospedados outro casal, Léa (Mélanie Laurent) e François (Melvil Poupaud). Bem mais jovens e em lua de mel, ficam alojados no quarto ao lado. A primeira fagulha de vida do casal infeliz é o voyerismo, depois a inveja, e por fim, a tentativa de destruição, numa história que se arrasta pela psiquê de Vanessa.
“À Beira Mar” está mergulhado no caldo contextual da depressão, logo, metaforicamente tem uma instabilidade de ritmo e uma assincronia que se autoexplica. O tema é a felicidade com um questionamento incomum, o da existência de pessoas que só são felizes sendo infelizes. A linha que costura a história é a sordidez feminina, a dissimulação e a manipulação, por trás de uma grande dor. O olhar sobre o segredo que abate o casal é feminino, a lente é a alma feminina no ir e vir de humores, dos quereres, dos testes, das dúvidas e das sandices. “À Beira Mar” se propões a ter ares de filme francês com um estilo lento, provinciano, cheio de silêncios que não dizem, perscrutam. Resumindo o filme que Angelina Jolie Pitt dirigiu e roteirizou, é uma crônica que expõe, por dentro, uma relação esgarçada pela dor e descuido.
Os aspectos que merecem destaque são as metáforas que contam a história em paralelo e ajudam a perceber o que acontece. A primeira grande delas é o ritmo; a segunda as cores do figurino que designam o estado de humor do casal e vão do preto, passando por vários tons de cinza (sem trocadilho) até o branco; a terceira, a dos óculos, dentre outras muito sutis. A trilha sonora de Gabriel Yared, oscarizado por “O Paciente Inglês” (1996), se encaixa como uma luva e quase não é percebida( o que também é louvável numa trilha). A fotografia de Christian Berger, de “A Fita Branca” (2009), é iluminada e escura de acordo com o humor, mas sempre fosca. Porém, se for para elogiar que seja o figurino de Ellen Mirojnick, ganhadora do Primetime Emmy por “Minha Vida com Liberace” (2013), que pontua o tempo (Década de 70) e é um luxo só, vai do brocado à renda, do linho à seda com um corte sofisticado, classudo e perfeito, de dar gosto.
A grande dissonância do longa está no território da expectativa. Por ser dirigido e roteirizado por Angelina se espera uma gramática norte-americana, com ritmo compassado, diálogos velozes e superficiais e explicações açucaradas, o que não acontece. O filme foge disso e ainda se aventura a ser cult (nicho em que deixa a desejar). Mas a questão que não quer calar é a da resistência a Angelina Jolie Pitt como diretora. Acostumados a atriz competente, rostinho bonito de Hollywood, e inesquecivelmente, a Lara Croft de Tomb Raider, estigmatizamos a persona de Jolie e colocamos numa forma, na qual ela se recusa a encaixar-se. O que esquecemos é que Angelina Jolie escreve, é engajada politicamente, pensa e está no seu quinto filme em pré-produção para 2016. E filmar é alguma coisa que Jolie faz com propriedade e cuidado, com uma pegada semiótica tecnicamente respeitável. Aceitar que esse mulherão tem sensibilidade, inteligência, uma boa direção, conduz bem os argumentos e faz uma boa síntese é uma questão de bom senso.
Em suma, a história é boa, profunda e altamente subjetiva, e a moça é corajosa, falar de relação conjugal nessa vibe e escaneando os paradoxos femininos dessa forma é pedir para não ser entendida pelos homens e ser odiada pelas mulheres. Mas Jolie é Jolie, para quem foi “Lara Croft…” (2001/2003) e “Garota Interrompida (1999) tá fazendo um barulhão com competência. Ainda bem que ela é insistente….É Angelina Jolie Pitt quem te viu e quem te vê.
Filmografia de Angelina Jolie Pitt:
- First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers (em pré-produção para 2016)
- À Beira Mar (2015)
- Invencível (2014)
- Na Terra de Amor e Ódio (2011)
- A place in Time (2007) – documentário
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