Coringa (Joker) (Cirme/Drama/Thriller); Elenco: Joaquin Phoenix, Robert DeNiro, Frances Conroy, Brett Cullen; Direção: Todd Phillips; USA/Canadá, 2019. 122 Min.
Muitas são as possibilidades de análise de “Coringa” de Todd Phillips. E, possivelmente, isso se dá por não ser um filme pertinente ao universo expandido da DC e sim, uma produção independente sobre a origem do super vilão. O longa pode ser analisado pelo seu viés político, pelos seus aspectos sociológicos, por sua abordagem psicológica, por sua conexão com o universo da HQs, por sua grandeza artística e pela possibilidade de ser um marco na mudança de abordagem dos filmes adaptados de Histórias em Quadrinhos do universo dos super heróis para o cinema, deslocando-os de somente entretenimento para uma obra que aborde temas sérios com seriedade como a doença mental e a violência urbana. “Joker” (no original) deixa bem marcada essa diferença por ser um filme de arte.
Uma das variantes que norteiam qualquer história fictícia ou não, seja no cinema ou na literatura, é seu tempo de produção. A época na qual são criados dão o viés condutor do que acontece naquele momento mesmo que não seja o assunto abordado e da mentalidade da época em que foi realizada, da forma de ver o mundo e o que acontece nele. E para que sejam atemporais têm que se recontextualizar com seus espectadores/leitores atuais para que façam sentido e se perpetuem. Os super heróis e seu universo de vilões foram criados na década de 30, depois do crash de 1929 e na década de conflitos que desembocaram na segunda Guerra Guerra Mundial. Então, todo o seu arcabouço de invencibilidade, de vitória a qualquer preço são aceitos e se encaixavam em um tempo cuja função dessas figuras era a de fomento à força coletiva de uma nação, ao levante do moral americano tão necessário e que estava em voga. Os tempos mudaram, as necessidades também, os assuntos se ‘contemporaneizaram’ e junto com eles os artefatos culturais. E nessa nova era entram também os nossos personagens de outros idos. Superman teve seu poder contestado em “Homem de Aço” (2013); Batman confessa ser o capital o seu super poder na trilogia de Christopher Nolan (2005-2012). Agora, é a vez de vermos o outro lado, o do vilão. Em tempos em que a alteridade é uma obrigação para a convivência em sociedade é necessário olhar o lado do outro para entendermos melhor o mundo. E esse outro aqui é Coringa (Joaquin Phoenix). E não é qualquer um, é o arqui-inimigo do morcego soturno movido a dinheiro que espalha a justiça pelas noites de Gothan city – a representação exponencializada e caricaturizada de New York – o Coringa.
O longa dirigido por Todd Phillips e roteirizado por Scott Silver de ” Vencedor” (2010) é a história da origem deste personagem de 80 anos das HQs, com nome e sobrenome: Arthur Fleck. Um doente mental que sofre de PBA (Afeto pseudobulbar), que vive às voltas com uma mãe doente tentando sobreviver, com o sonho de ser um comediante stand up e sua relação com o mundo e este com ele. esta é a questão principal que o filme traz para as conversas: a forma com a qual os doentes mentais são tratados pela sociedade, além de tantos outros assuntos com diversas camadas.
Coringa é um personagem fictício criado por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane em 1939 e que teve sua primeira aparição na revista Batman nº1 em 1940. Inspirado na personagem de Conrad Veidt de “O Homem que Ri” (1928), o palhaço príncipe do Crime – como é chamado – já foi interpretado por César Romero (1966), Jack Nicholson (1989); Mark Hamil (1992-1995) nos desenhos animados da época, Heath Ledger (2008) e Jared Letho (2016). Agora é a vez de Joaquin Phoenix, conhecido por filmes de sucesso como: “Gladiador” (2000), “O Mestre” (2012), “Ela” (2013), “Vício Inerente” (2014), ” Homem Irracional” (2015), “Você Nunca esteve Realmente Aqui” (2018) e “Maria Madalena” (2018). Ou seja, de Jesus Cristo a Coringa, Joaquin Phoenix é um camaleão que se entrega de tal forma que, a cada personagem interpretado por ele tem-se uma criação nova. Nestes não se vê o ator Joaquin Phoenix, mas as personagens interpretadas, que tomam todos os espaços. E dessa vez ele se superou. Indicado três vezes ao Oscar, por: “Gladiador”, “Johnny & June” (2005) e o “Mestre” pode ser que dessa vez ele consiga conquistar a tão cobiçada estatueta, cujo personagem – Coringa – já deu o ar da graça na celebração dando o Oscar Póstumo a Heath Ledger por sua interpretação em “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008)
Dos destaques, além da atuação magistral de Phoenix podem ser citados a música ‘smilles’ composta por Charles Chaplin, que teve uma história de vida também bastante turbulenta e parecida; a referência os takes de “Tempos Modernos” (1936) e o tributo a Heath Ledger em várias cenas. Filmes do universo das HQs para o cinema como os da Marvel e da DC são entretenimento puro e voltados para a comercialidade exacerbada, mesmo tratando de temas sérios como o feminismo em “Mulher Maravilha”(2017) e representatividade negra no cinema como “Pantera Negra”(2018). “Coringa” é um filme artístico independente do Universo DC que traz assuntos sérios para reflexão e de forma séria. Além dos já citados, versa também sobre a precarização da vida humana e de valores em detrimento do capital, muito bem representado por Thomas Wayne (Brett Cullen). Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza “Coringa” é o único personagem de HQs que pisou em um festival de cinema de arte (Veneza) e numa premiação industrial ‘gourmet’ como Oscar.
O “Coringa” de Todd Phillips versa sobre uma aberração que uma sociedade cria e depois rechaça. Causa desconforto e ganha visibilidade depois de décadas de criação. O longa traz para a telona uma hiper-realidade, faz questionarmos a violência empreendida pelos heróis que combatem violência com violência, apresenta a jornada de um doente mental que obtém a visibilidade e atenção que almejava somente como um criminoso e que representa em sua narrativa os esmagados pelo sistema. A obra cinematográfica está mais para “Clube da Luta” (1999) e “Taxi Driver” (1976) do que para os filmes tradicionais do Universo DC. Logo, possivelmente, não agradará aos fãs de quadrinhos que curtem o Universo de HQs do cinema.
“Joker” (no original) é um filme sério mais próximo da abordagem de “Birdman” (2014), que apresenta o desenvolvimento da doença psiquiátrica de Arthur Fleck, e é mais voltado para a psiquê da personagem do que para o arcabouço de filmes do gênero ação e aventura. O longa tem uma narrativa profunda dentro do viés de abordagem escolhido e é alçado ao status de filme de arte. “Coringa” é uma carta poderosa na possível mudança de abordagem nos filmes do nicho. Depois dele, possivelmente, não veremos mais um filme do Batman da mesma forma. Vaticinando: Poderoso, desconfortável e Necessário para os tempos atuais.
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