Beasts of no Nations. (Drama/Guerra). Elenco: Abraham Attah, Idris Elba; Direção: Cary Joji Fukunaga; EUA, 2015. 137 Min.
“Quando era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino….” (1ª carta de Paulo aos Coríntios)
“Beasts Of No Nations” é o mais recente filme de Cary Joji Fukunaga, produzido por um canal de streaming. Baseado no livro homônimo de Uzodinma Iweola um niger-americano formado em Harvard e premiado como escritor, o longa metragem já traz em seu rastro 2 premiações no Festival de Veneza – CICT -UNESCO – Enrico Fulchignoni award para Cary Fukunaga e o Prêmio Marcelo Mastroianni para Abraham Attah – as indicações ao Leão de Ouro e ao Green Drop Awards do Festival de Veneza, e ainda fez parte da seleção oficial, concorrendo ao prêmio de melhor filme no Festival de Londres, dentre outros. “Beasts Of No Nation” mostra a realidade dolorosa do roubo da infância de crianças em territórios em guerrilha. Além de despontar como uma obra de, possível, ruptura na história do cinema pela modalidade de exibição online concorrendo e recebendo prêmios que normalmente são disputado por filmes que entram no circuito via cinema – a sala escura. E ainda está sendo cogitado à boca pequena com grandes possibilidades de concorrer ao Oscar 2016, em algumas categorias, dentre elas, melhor ator para Idris Elba. (Aqui!); (Veja!); (Confira!).
A história consiste na retirada de Agu (Abraham Attah) do seio de sua família, por conta de uma guerrilha de forças locais. Seu pai e seu irmão são mortos e Agu fica à mercê do Comandante (Idris Elba). O país não tem especificidade nem no livro nem no filme. Pelos signos é pertencente ao Oeste da Àfrica subsaariana, possivelmente, Nigéria, terra de ascendência do autor do livro. Mas, metaforicamente, podem ser as crianças da FARCs da Colômbia, as do Estado Islâmico, as da fronteira do México, as do narcotráfico no mundo inteiro. O lugar não é importante. O importante é o processo de gestação do ódio, da perda da inocência, da violência da retirada da rede de proteção (pai, mãe, irmãos, amigos), da truculência do cotidiano que vai matando alguém que ainda nem nasceu para o mundo. Todos, processos registrados na obra de Fukunaga.
O caminho da narrativa é bem costurado, inteligente e tem a dose certa de crueldade para atingir a percepção com peso de realidade. Oriundo de um livro bem escrito, “Beasts Of No Nation” traz uma série de destaques para além dos já citados. Foi dirigido, produzido e roteirizado por Cary Joji Fukunaga, o que é comum entre os cineastas, mas além disso Fukunaga também foi o câmera do filme. A fotografia de “Beasts Of No Nation” tem a assinatura do diretor e não foi por falta de recursos. Com um orçamento estimado em 6 milhões de dólares, foi uma opção de Fukunaga, que acumulou exaustivamente as várias funções. E, diga-se de passagem, vale a pena ser conferida.
A direção desse cineasta californiano, ganhador do Primetime Emmy Awards por “True Dectetive” (2014)’ é de uma precisão cirúrgica em mostrar a morte em vida. A apresentação da alegria, da ingenuidade, da brincadeira, da paz, da união de uma família e sua destruição que vai mudando lentamente o menino Agu, é brilhante. E Abraham Attah se transforma diante da câmera de Cary Fukunaga, e nos faz lembrar Quvenzhané Wallis de “A indomável Sonhadora” (2012) numa entrega que assusta. Idris Elba, vencedor do Globo de Ouro pela minissérie “Luther” (2010), está espetacular como um louco manipulador guerrilheiro que comanda um exército de crianças de 9 a 16 anos.
Narrado em primeira pessoa por Agu, e com todos os signos de infância em conversas interiores com um deus que ele vai desacreditando e apagando de dentro de si, numa narrativa forte e tocante, “Beasts Of No Nations” tem a violência e os signos da África subsaariana que nos remete ao filme “Diamantes de Sangue” (2006)’ principalmente pela gramática cinematográfica norte- americana. A trilha sonora é de Dan Romer de “A Indomável Sonhadora”, outro filme que registra a potência de vida de afeto/desafeto e bestialidades. O impacto do longa de Cary Fukunaga está na história, na abordagem, na produção, nas interpretações e na inusitariedade do suporte que, por um boicote das casas de exibição por não permitirem que fosse exibido online para assinantes ao mesmo tempo em que o seria no circuito, colocou o filme como primeiro a concorrer a prêmios de festivais, e possivelmente, ao Oscar 2016, com exibição somente em plataforma virtual.
O que podemos dizer é que somos privilegiados por pertencermos a geração de transição que pode estar diante do alargamento das fronteiras do território do cinema para além da sala escura, e da possível revisão do conceito de cinema. Principalmente, se acontecer uma indicação oficial ao prêmio máximo do cinema mundial. Nunca um SE causou tanta espectativa e significou tanto. Agora, é só aguardar. Há equívocos que podem mudar a história, metafórica e realmente.
Deixar Um Comentário