Cemitério de Esplendor

Cemitério de Esplendor

Por | 2018-06-17T00:21:20-03:00 18 de março de 2016|Resenha cinematográfica|0 Comentários

Cemitério de Esplendor (Cemetery of Splendor/ Rak ti Kon Kaen). (Drama); Elenco: Jenjira Pongpas, Banlop Lomnoi, Jarinpattra Rueangram; Direção: Apichatpong Weerasethakul; Tailândia/Reino Unido/França/Alemanha/Malásia/Corea do Sul/México/USA/Noruega, 2015. 122 Min.

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia”

(William Shakespeare)

O cineasta Apichatpong Weerasethakul é um tailandês, relativamente jovem, que tem brilhado nos festivais de filmes mundo afora, muito principalmente em Cannes. Com temáticas concernentes a sonhos, natureza, sexualidade, espiritualidade e afins, Apichatpong usa uma narrativa não convencional e prefere trabalhar com não-atores. Palma de Ouro do Festival de Cannes 2010 com “Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”, o cineasta  é grande fomentador  do cinema experimental e independente através de sua compania, a Kick the Machine, na Tailândia. É através dessa produtora que Apichatpong tem a liberdade de fazer seus filmes com características que fogem ao convencional. E este é o caso de “Cemitério de Esplendor”.

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O mais recente filme do cineasta tailandês versa sobre espiritualidade com nuances profundas  de análise, com uma gramática cinematográfica diferenciada, lenta, silenciosa e num caminhar didático. Fala sobre a existência de um mundo invisível aos nossos olhos e que, segundo a narrativa, existe e é mais ativo que o nosso. A história consiste em: numa localidade em que, outrora, fora um palácio real e na sequência um cemitério de guerreiros, foi construída um escola que foi transformada em hospital provisório para receber feridos de guerra, que inusitadamente só fazem dormir, profunda e longamente. Voluntários com dons espirituais (leitura de mentes, visões, etc…) trabalham cuidando desses pacientes. As personagens dessa saga explicativa sobre o mundo espiritual ao estilo tailandês são: Itt (Banlop Lomnoi), um dos soldados em recuperação; Jenjira (Jenjira Pongpas), a voluntária e Keng (Jarinpattra Ruengram) a médium.

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Apichatpong quando faz analogia entre os dois mundos usa como conexão a energia da luz e o movimento do vento, ambos invisíveis e úteis, em relação aos nossos movimentos, esses grosseiros e sem sentido. Nos resumimos, metaforicamente às nossas necessidades fisiológicas – a alimentação, a excreção e a sexualidade – nossa noção do que seja vida é dada pelos fluídos corporais, temos problemas para entender as coisas e mais ainda para enxerga-las. Jenjira e a médium são a agulha que fazem a condução dessa costura. Outro aspecto importante, nesse alinhavo, são os provérbios, ensinamentos cotidianos que educam a alma, no nível da nossa incipiência. São abordados os dois mundos, o uso da energia física/humana pelo mundo espiritual, a mediunidade como instrumento que possibilita essa visão – assim como o microscópio, o mundo celular – e as curas espirituais. Todo esse contexto nos remetem a “Body” (2015) de Malgorzata Szumowska, um filme polonês que versa sobre o espiritismo, mas esse com uma vertente doutrinária. A questão de Apichatpong não é a religiosidade, e sim, a espiritualidade no estilo da cultura oriental.

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O cineasta tailandês tece essa colcha de retalhos de forma fragmentada, lenta, repetitiva e com associações simplistas e didáticas, com takes longos e estáticos que possibilitam o vaguear do olhar e a captação de algo que nos toque e possa ser usado para fazer conexões entre si ao longo da exibição, e que possibilite os diversos entendimentos possíveis, de acordo com as redes de significações de cada espectador. A metaforização do que não se vê com o mundo celular, que independente disso, existe e o sabemos, é bárbara. Enxergar o invisível é a linha que costura o discurso do longa-metragem. No conjunto da  obra se destacam a fotografia do mexicano Diego Garcia de “Boi Neon” (2015) e a direção de arte de Pichan Muangduang. Acostumado a trabalhar com Apichatpong como assistente de arte, este é seu primeiro trabalho como diretor na área.

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Para além das premiações: o Lighthouse award do Pancevo Film Festival 2015 e melhor filme no Asia Pacific Screen Awards 2015, o longa tem outro aspecto a ser destacado, o pool de países que o produzem: Reino Unido, Alemanha, França, Malásia, Coreia do Sul, México, Estados Unidos e Noruega, algo raro para um filme majoritariamente tailandês. Tendo como um dos co-produtores Danny Glover e constando nos agradecimentos o nome do cineasta chinês Jia Zhangke chama atenção a importância da temática dada a partir do contingente e importância dos envolvidos.

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Para resumir o cineasta Apichatpong Weerasethakul é um bravo que banca fazer um filme com um tema tão pouco comercial, numa gramática cinematográfica não tão convencional e que seleciona público. O longa é voltado para espectadores que tenham em suas redes de significações a espiritualidade, e não tenham o menor problema com a lentidão da narrativa e com o trabalho que dá conectar os aspectos procedentes que o cineasta põe na tela. “Cemitério de Esplendor” é para quem tem olhos de ver. Segundo Apichatpong, que além de dirigir também roteirizou o longa, brincamos ingênua e inocentemente, como crianças,  sobre o sagrado, por não enxergarmos. Em “Cemitério de Esplendor” os ‘dormentes’ somos nós, e seu grande objetivo é nos acordar. Bravo!

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Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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