Nise – O Coração da Loucura (Biografia/Drama/História); Elenco: Glória Pires, Fernando Eiras, Charles Fricks, Felipe Rocha, Georgiana Goés, Augusto Madeira; Direção: Roberto Berliner; Brasil, 2015. 106 Min.
“É preciso ir além da superfície”
(Nise da Silveira)
Nise da Silveira (1905-1999) foi uma das primeiras mulheres médicas do Brasil. A única, em sua turma de formandos de 157 homens. Renomada psiquiatra alagoana, foi aluna de Carl Gustav Jung e se posicionou severamente contra tratamentos psiquiátricos agressivos como o eletrochoque e a lobotomia. Presa na Intentona Comunista em 1936, conheceu Graciliano Ramos no Cárcere, na Frei Caneca, e virou personagem em seu livro “Memórias do Cárcere”. Por razões políticas foi afastada do serviço público e reintegrada em 1944, quando é designada para o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, subúrbio carioca. O longa-metragem de Roberto Berliner começa deste ponto, é um recorte enxuto e assertivo desse período da vida profissional de Nise da Silveira, no setor de terapia ocupacional do centro psiquiátrico, onde desenvolveu trabalhos artísticos com doentes severos. Ou seja, “Nise: O Coração da Loucura” traça um painel do cerne do trabalho de toda uma vida que deixou um legado impressionante. Incluindo a mudança nos procedimentos médicos em relação ao tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos.
Quando Nise chega ao Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro é apresentada ao que há de mais moderno, na época, em procedimentos médicos da área: a lobotomia. Estupefacta, se recusa a aplica-la e é designada para o setor de Terapia Ocupacional, o patinho feio da psiquiatria. A terapia ocupacional era ridicularizada pelos seus colegas de profissão e juntamente com ela, a Drª Nise. Então, ela se cerca do artista plástico Almir (Felipe Rocha) e da monitora Marta (Georgiana Góes) e consegue material para as produções livres dos ‘clientes’ – Nise se recusava a chama-los de pacientes, dizia que pacientes tinham que ser os profissionais que lidavam com os doentes -. A equipe deixa os clientes livres e a criação artística e a melhora clínica de cada um se dá de forma surpreendente. Nise, passa a escrever para Jung contando a experiência do seu atelier e chama especialistas em artes plásticas para analisar as obras, dentre eles, o crítico de arte Mario Pedrosa (Charles Fricks) para divulgar os acontecimentos.
Roberto Berliner, documentarista, conhecido por “A Pessoa É Para O Que Nasce” (2002) e “Hebert de Perto” (2009), dirigiu e roteirizou o longa, com mais outros seis roteiristas. E fez um recorte bem preciso na história, o período do trabalho de Nise no atelier com os artistas plásticos: Fernando Diniz (Fabrício Boliveira); Adelina Gomes (Simone Mazzer); Otávio Ignácio (Flávio Bauraqui); Carlos Pertius (Julio Adrião); Emygdio de Barros (Claudio Jaborandy); Lúcio (Volney Villela); Eugênia (Luciana Fregolente) e Raphael (Bernardo Marinho).Todos clientes do hospital, e que mais tarde foram o referencial para as mudanças no tratamento médico; deram origem a exposições de arte no Brasil e fora dele; foram objetos de pesquisa de estudos científicos; assunto de muitos livros e força motriz para criação de um museu: o Museu de Imagens do Inconsciente no Rio de janeiro, onde a produção desses artistas está protegida e preservada.
O roteiro cuidadoso aborda com muita dignidade os clientes, a personalidade de Nise, a importância do seu trabalho e a forma com a qual ela lidava com as adversidades, que certamente foram muito mais do que as que são expostas ali. Elaborado por quatorze mãos entre os que fizeram o bojo do roteiro e as finalizações, a história se detém somente na vida profissional de Nise. No arcabouço geral do roteiro temos: Flávia Castro (documentarista e uma das diretoras do doc “A Aula Vazia” de Gael Garcia Bernal); Maurício Lissovsky (Historiador, professor e pesquisador); Maria Camargo (Jornalista e cineasta) e Chris Alcazar. No roteiro final temos: Patricia Andrade de ” 2 Filhos de Francisco….” (2005) e “Gonzaga: De Pai para Filho” (2012); Leonardo Rocha, assistente de direção de “A Febre do rato” (2011) e o próprio Roberto Berliner. Toda essa empreitada rendeu um trabalho peso pesado que arrebatou o Grande Prêmio do Festival Internacional de Tóquio (2015). Destaque também para Glória Pires que ganhou o prêmio de melhor atriz no mesmo festival de filmes, e para a as atuações dos clientes/artistas plásticos. Os atores o fizeram com uma veracidade e dignidade merecedoras de menção. Volney Villela no papel de Lúcio, um psicótico perigoso, violento e dito, irrecuperável, está soberbo. Isso tudo rendeu também o prêmio de melhor filme no Festival do Rio 2015 pela escolha do público.
“Nise: O Coração da Loucura” é um produção nacional que cumpre muito bem a função de popularizar o trabalho dessa mulher, cientista, brasileira e nordestina que deixou um legado para arte e para história da psiquiatria. Altamente recomendável!
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