O Bom Gigante Amigo (The BFG) (Aventura/Família/Fantasia); Elenco: Mark Rylance, Ruby Barnhell, Penélope Wilton; Direção: Steven Spielberg; Reino Unido/Canadá/USA, 2016. 117 Min.
Baseado no livro homônimo do aclamado escritor inglês Roald Dahl (1916-1990), “O Bom Gigante Amigo” é o mais recente longa-metragem de Steven Spielberg. Tendo como viés a amizade, a lealdade e o poder dos sonhos, a animação foge ao estilo agitado e cheio de camadas a que nos acostumamos, tem um caminhar lento e a irreverência de uma criança de oito anos.
A produtora do longa-metragem é a Disney que historicamente, sempre fez desenhos de qualidade. Na década de 90 veio a Pixar (hoje um dos braços da Disney) com sua tecnologia de pixels + arte e nos colocou noutro patamar em relação a animação. Ficamos acostumados com sua forma de contar histórias, com sua velocidade de narrativa e suas cores luminosas. Hoje quando damos de cara com uma animação que foge a esses padrões, nos incomodamos. “O Bom Gigante Amigo” é uma história oriunda de um livro (hoje considerado antigo) escrito por um inglês do início de século XX, cujo auge da carreira se deu por volta da década de 40 e que escrevia livros infantis e adultos. Na seara das histórias infantis estão: “Charlie e a Fábrica de Chocolate”, que baseou o filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971) e que teve um remake em 2005 e “Matilda” que também foi adaptada para o cinema. Logo, os tempos eram outros e o que atingia nossa percepção também. Sabemos que a maestria da adaptação está na contextualização, mas isso não exclui a fidelidade a obra, que é o outro lado da mesma moeda. E, possivelmente, essa seja a questão da animação. Ela é lenta, com valores abordados à moda antiga, tem um tom de gracejo infantil que soa como irreverência e que no conjunto da obra dá um tom dissonante, e por vezes, desnecessário.
A história consiste na aventura de uma órfã, Sophie (Ruby Barnhell) que numa noite de insônia vê um gigante – BFG (Mark Rylance) – passear pelas ruas Londres. Depois de se deixar ver pelo gigante ela é levada por ele para sua casa. Em sua terra, BFG é o único diferente. Ele é vegetariano, trabalha na alquimia de sonhos e sofre perseguição dos outros gigantes que são truculentos e carnívoros. A partir desse encontro, Sophie conhece o mundo dos gigantes, a árvore dos sonhos, o trabalho de alquimia e a distribuição noturna de sonhos aos habitantes de Londres. Para ajudar seu novo amigo, Sophie faz uma proposta: a de convocar o exército da Rainha (Penelope Wilton) para dar uma lição nos gigantes trogloditas.
Spielberg, como admirador confesso de Roald Darl, adaptou a história para o cinema com uma equipe primorosa: a roteirista oscarizada de “E.T – O Extraterrestre” (1982) Melissa Mathison (1950-2015); o grande mago das trilhas sonoras John Williams de “Star Wars” e autor da inesquecível Marcha Imperial de Darth Vader; a fotografia competente do duplamente oscarizado Janusz Kaminski de “A Lista de Schindler” (1993) e a direção de arte sofisticada de Rick Carter de “Avatar” (2009) e Robert Stromberg de “Alice no País das Maravilhas” (2010). Ou seja, um trabalho, tecnicamente, muito bem feito. A questão é que é muito mais Roald Dah do que Steven Spielberg. Quem procurar pela assinatura do cineasta, sua forma torrencial de marcar a emoção nos filmes, se decepciona. Sem contar que a produção é majoritariamente do Reino Unido, que tem outra pegada. A magia existe, mas é seca, diferente da pegada americana açucarada. O problema não é o filme, são as nossas expectativas e o vício a que já nos acostumamos com duas décadas de Pixar. “O Bom Gigante Amigo” é uma animação com ares de século XIX, com lentidão, com cores ocres e uma irreverencia mais afeita às crianças. A história foi inspirada em uma das filhas de Dahl e dedicada a seu primeiro filho – falecido aos sete anos. Talvez por isso imbuída em certa tristeza. Mas é uma ode à lealdade, a amizade sincera e, a meu ver, ao amigo imaginário que toda criança teve em algum momento de sua infância.
“The BFG” (no original) nos diz que um adulto pode ser tão ingênuo quanto uma criança, muito bem metaforizado nos neologismos do gigante, e que uma criança pode ajudar em grandes causas tanto quanto um adulto. O filme é uma fagulha do pensamento atual em relação à infância vindo diretamente do século XX e da sisuda cultura inglesa. É um conto de fadas tradicional com uma pitada de irreverência.
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