Homem Irracional ( Irrational Man). (Drama/Mistério); Elenco: Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey; Direção: Woody Allen; USA, 2015. 95 Min.
Woody Allen dispensa apresentações, filósofo existencialista desde o útero de sua mãe, Mr. Allen nos faz pensar por osmose nas questões que traz à baila. Não por acaso, aquelas com as quais qualquer um de nós já se deparou algum dia na vida. Mas desta vez ele se superou filosofando sobre a própria filosofia e colocando a prepotência epistemológica humana em seu devido lugar – o limbo.
A história é sobre um professor de filosofia, Abe Lucas (Joaquin Phoenix), dedicado ao seu ofício, perturbado e insatisfeito com a existência, a tal ponto de não encontrar mais viço na vida. Pensa com seus alunos acerca da pasmaceira da existência e sobre os meandros formais da filosofia, que são teóricos e que não se aplicam à prática da mesma forma com a qual as pensamos. E aí está o mote a que Woddy Allen se agarra para fazer um filme reflexivo existencialista ser engraçado e enfatizando, inteligentemente, o quão patética é a vida. Em primeiro lugar ele se apega à teoria e disserta sobre as premissas de Immanuel Kant, filósofo Prussiano e Martin Heidegger, filósofo alemão. Em seguida parte para colocar toda a teoria em prática, através das ações do professor Abe e de sua aluna Jill (Emma Stone) – A alusão à relação de Heidegger com Arendt, também professor e aluna, com a relação de Abe com Jill é possível, o primeiro os partners da teoria e o segundo, os partners da prática da teoria – No referencial teórico estão Kant, Heidegger e Hannah Arendt, com suas premissas sobre a banalidade do mal, e na prática Abe Lucas, Jill e a vida. Para completar o ciclo, Woody Allen passa a versar teoricamente sobre a prática executada – o assassinato de um juiz. Entram em voga as desconstruções dos conceitos de acaso, de racionalidade, a relativização de moral, ética e a banalização do mal. Um turbilhão de informações abstratas e procedentes que traz momentos hilários ao roteiro e desafia o arcabouço fossilizado da lógica. Woody Allen faz isso com uma maestria de dar inveja a qualquer professor de filosofia. Ele vai da teoria à prática dos conceitos, mostrando, literalmente, que existe muito mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia.
Dono do próprio roteiro (imagina se não!!!) Woody Allen faz de fundo dessas reflexões o jazz e a música clássica, de tal forma que, para qualquer fã de jazz, há que se ficar em dúvida em qual prestar atenção, se no roteiro ou na trilha sonora. Estão na lista: Ramsey Lewis Trio, Daniel May Jazz Combo e David O’Neal e pra fechar, Johann Sebastian Bach, (quer mais?!). A fotografia é de Dario Khonji, indicado ao Oscar por “Evita” (1996). E em meio a tanta ostentação cultural, os mega premiados atores e, ambos, indicados ao Oscar em suas carreiras, Joaquin Phoenix e Emma Stone parecem compor nobremente a decoração, mas estão soberbos em seus papeis, afinal, atuar e improvisar em cima de um texto que verse sobre Kant e Heidegger não é para qualquer um.
Em suma, o mestre do existencialismo no cinema, do alto de seus quase 80 anos, em seu 45º filme para o cinema (fora filmes de TV e roteiros), mostra como todo o compêndio filosófico da história do pensamento perde para a vida, para o imprevisto. E, possivelmente nos diz, o quanto somos incapazes de enxergar e divagar sobre a vida com um arcabouço filosófico que é pura invenção e maneira pensante de passar o tempo, enquanto vivos. Numa narrativa característica sua, com diálogos justapostos (a conversa e o pensamento) “Homem Irracional” dá um show de retórica e avacalha a potencialidade do pensamento. A vida, segundo Allen, continua sendo um mistério patético e indecifrável. Ela é autossuficiente e não aceita amarras, não se curva a arcabouços epistemológicos, e o que nos salva é o imprevisto, aquele que não se capitaliza para uma próxima circunstância. O velho Woody troca o farol iluminista pela lanterna da intuição e nos diz que todo arcabouço de conhecimento é pura esquizofrenia. A vida é soberana.
“Homem Irracional” é um filme introspectivo e arrastado, imerso em diálogos dinâmicos e altamente subjetivos. Logo, seleciona público, é para quem gosta de filosofia e do Woody Allen, é claro. Do contrário, ele não funciona. Abordagem brilhante!
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