Pequeno Segredo

Por | 2018-06-17T00:34:35-03:00 6 de outubro de 2016|Resenha cinematográfica|0 Comentários

Pequeno Segredo (Little Secrets) (Drama); Elenco: Mariana Goulart, Julia Lemmertz, Marcelo Anthony, Fionnulla Flanagan, Erroll Shand, Maria Flor; Direção: David Schurmann; Brasil, 2016. 107 min.

“Eles passam, então, a dividir juntos o mesmo vento, a mesma tempestade, o mesmo acaso”

(Pequeno Segredo)

Indicado para representar o Brasil na corrida ao Oscar 2017 “Pequeno Segredo” de David Schurmann tem uma história esplendorosa, mas caiu de paraquedas numa celeuma que começou em Cannes com o filme “Aquarius” e virou bucha de canhão sem merecer. E desse imblóglio o que se tira de proveitoso é a possibilidade de análise de três aspectos: o dos usos políticos, o da importância das premiações e o filme em si.

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Cinema e política se misturam, sim. Vida e política se misturam, também. Somos seres gregários, por conseguinte, políticos em tudo o que fazemos. Exercitamos política, que é a arte ou ciência da organização, das negociações e da convivência nas relações em todos os âmbitos de nossas vidas. Quer admitamos ou não, quer queiramos ou não, ou mesmo até, quer saibamos ou não. Tudo começou com a manifestação da equipe de “Aquarius” em Cannes sobre a rasteira na constituição brasileira e nos princípios da democracia em plena Boulevard de la Croissette para o mundo inteiro ver. A retaliação ao filme de Kleber Mendonça Filho começou a acontecer, independente de todo um currículo de premiações e de um cabedal técnico e contextual para o Oscar. A partir daí, cineastas Brasileiros como Gabriel Mascaro de “Boi Neon” e Anna Muylaert de “Mãe Só Há Uma” retiraram suas candidaturas ao prêmio maior do cinema, forçando, pela lógica, a que “Aquarius” fosse indicado. Numa manobra sombria sobrou para “Pequeno Segredo”. Numa jogada política para tirar visibilidade do primeiro e puni-lo pela ‘intransigência da denúncia’ “Pequeno Segredo” se torna, então, o azarão da vez, a bucha de canhão da celeuma. O que mostra o quanto somos torpe e maculamos tudo o que tocamos.

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Mas, o que é uma premiação? para que serve? Por que é importante? Uma premiação é só uma premiação. É um selo de qualidade e de destaque em relação às obras que desfilam no locus em questão e, em si é só. Não diz quem é o melhor de fato, quem é o mais importante em relações aos demais filmes do mundo. Existem muitos filmes melhores do que os que são premiados que nem entram nas disputas. Mas, premiações e participação em Mostras importantes são as formas instituídas por nós para selar uma chancela. Dar um aval de submissão aos pares e diferenciar dos demais. Dependendo da premiação, é uma importância comercial, como é o Oscar. Em outros a importância é artística, técnica, autoral como em Cannes, Berlim, Veneza; ou ainda de aspectos específicos como fotografia (Camerimage), roteiro, trilha sonora etc… Logo, as premiações não são tudo, mas fazem diferença no meio. Inclusive para vida profissional dos atores, diretores e equipe. É assim que nós funcionamos como sociedade, com selos de qualidade. E as premiações são isso.

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Mas, e “Pequeno Segredo” a ver com isso? O filme de David Schurmann, documentarista conhecido por “O Mundo em Duas Voltas” (2007) é um diamante em relação ao conteúdo. O longa-metragem aborda a possibilidade do amor incondicional e o quanto estamos conectados como humanidade. Uma mensagem potente para os nossos dias. Inclusive como remédio e/ou antídoto para toda a mediocridade e vileza que nos assola. O filme traz seres humanos comuns, uma família como qualquer outra com capacidade para amar, e outro ser humano com merecimento desse amor. A história é real e tem como contexto a própria família de David que, ao adotar Kat (Mariana Goulart), uma menina com HIV positivo de nascença, numa época em que os tratamentos eram incipientes e agressivos, convivem com ela, cuidando-a  até o final. “Pequeno Segredo” é a jornada de amor dessa familia, que pontuou os aspectos de crescimento e homenagem à vida para além da dor, do sofrimento, das avaliações médicas e tal. Para que a coisa ficasse bem didática, ainda faz o contra-ponto com o egoísmo e a vileza na personagem de Bárbara (Fionnula Flanagan) e aborda os imprevistos da vida na história de Jeanne (Maria Flor) e Robert (Erroll Shand).

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Para contar essa história que é baseada no livro escrito por Heloisa Schurmann intitulado “Pequeno Segredo – A Lição de Vida de Kat para a Família Schurmann”, David foi primoroso quando escolheu sua equipe. Para o roteiro Victor Atherino de “Faroeste Caboclo” (2013) e Marco Bernstein, premiado no festival de Berlim por “O Outro lado da Rua” (2004). Para a direção de arte, Brigitte Broch, oscarizada por “Moulin Rouge” (2001) ;para trilha sonora Antonio Pinto, indicado ao Globo de Ouro por “Amor nos Tempos do Coléra” (2007) e mais recentemente trabalhou na trilha de “Amy”, documentário oscarizado na categoria em 2015 e na fotografia, Inti Briones de “El Aula Vazia” (2015)  e Jia Zhangke – Um Homem de Fenyang” (2014).Ou seja, zelo não faltou. Mas não é filme para Oscar. Normalmente, um filme indicado ao Oscar faz toda uma trajetória peculiar. É exibido em Cannes (maior festival de filmes do planeta e difícil de entrar), é premiado em outros tão importantes quanto (Veneza, Toronto, etc…) e roda mundo sendo exibido e conhecido.

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A questão a ser pensada é o quanto nós seres humanos vis (adjetivo rechaçado magistralmente no roteiro) conseguimos transformar algo nobre em querela. O quanto destruímos a aura das coisas. O quanto conseguimos transformar esse diamante em grafite e contaminamos uma mensagem tão bela com questões que nem de perto chegam ao gênero do filme. Mas nem tudo está perdido. A gente vai pagar o mico para o mundo inteiro de indicar um filme que não tem perfil de Oscar. Mas, a gente também pode usar essa guinada que o filme vai dar em meio a toda essa celeuma para dizer que se uma família de brasileiros que roda o mundo sobre as águas é capaz de amar incondicionalmente alguém e proporcionar-lhe afeto, atenção e cuidados, a humanidade ainda tem jeito. A gente pode usar o alcance de público que o filme possivelmente não teria se não fosse essa questão toda, para dizer que se um ser humano nasceu merecedor de tanto amor ainda existem almas puras entre nós.

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A resiliência transforma uma situação ruim em algo edificante e positivo, virando tudo do avesso para o lado bom. Saibamos, então,  utiliza-la. Dispa-mo-nos de resistências e apreciemos o que o filme tem de melhor: a mensagem e a homenagem a essa menina que foi importante na vida da família e, quiçá, o será,  ainda, na vida de todos nós. Afinal, como diz aquele ditado: “o que não tem remédio, remediado está”.

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Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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