Sicário: Terra de Ninguém

Sicário: Terra de Ninguém

Por | 2015-10-25T04:02:57-03:00 25 de outubro de 2015|Resenha cinematográfica|0 Comentários

Sicário: Terra de Ninguém (Sicario). (Ação/Crime/Drama); Elenco: Emily Blunt, Benício Del Toro, Josh Brolin, Victor Garber, Daniel Kaluuya; Direção: Denis Villeneuve; USA, 2015. 121 Min.

O filme de Denis Villeneuve trabalha com conceitos personificados nos personagens e contextualizações. O nome Sicário deriva de Sica um pequeno punhal curvo que era usado por mercenários. O termo foi aplicado pela primeira vez em relação aos zelotas judeus que lutavam contra a dominação romana por volta 70 d.c  em Jerusalém. Mas contextualizando com os dias atuais, é a designação para matadores de aluguel. Esse trânsito entre o que era e o que se torna é uma das linhas de conexões da história.  O que se vê na película tem uma camada sobreposta, uma mobilidade de significações conceituais e suas contextualizações e que é o mote desse filme espetacular, que ganhou o premio de melhor ator coadjuvante para o oscarizado Benício Del Toro no Hollywood Film Awards e a indicação à Palma de Ouro de Cannes 2015.

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Kate Macer (Emily Blunt) é uma agente do FBI que trabalha no desbaratamento de quadrilhas do narcotráfico.  Após uma operação bem sucedida no Arizona, é chamada pelo seu chefe Dave Jennings (Victor Garber), para integrar uma operação conjunta com a CIA chefiada por Matt Graver (Josh Brolin) para pegar o chefão responsável pelo tráfico de drogas nos EUA, Manuel Diaz (Bernardo Saracino) e seu chefe-mor Faustino Alarcon (Julio Cedillo) no México, juntamente com o misterioso policial Alejandro (Benício Del Toro) – um indivíduo que perdeu sua família pelas mão de Faustino Alarcon e é o instrumento perfeito para a realização de uma missão sem misericórdia. E nesse ínterim de operação temos uma única mulher no elenco – que não é atoa-  sem sex appeal e movida pelo ideário de justiça; tomadas panópticas em quase 90% da película; um comboio que mobiliza meio mundo por mais de um 3 minutos (isso é tempo abeça no cinema); nenhuma abordagem pessoal ou intimista; um jogo de xadrez que vai se descortinando e uma conexão para tudo….o conceito de justiça.

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As personagens de “Sicario” (no original) são conceitos. Kate Macer não é uma mulher é o conceito liso, limpo e idealizado de justiça, sem elos, nem prisões – casamentos ou filhos, e isso é frizado – está sempre por fora das costuras espúrias e fica voando nas conexões do que acontece, percebe, mas não entende. Alejandro é o justiceiro, o representante da lei de Talião – olho por olho, dente por dente. A justiça idealizada é engabelada, quase estuprada, nela se atira, se bate e quem a salva é a outra versão de justiça – Alejandro, que após colocá-la no seu lugar, o de refém, diz: “você não é lobo, vá para uma cidade pequena, onde ainda se faça as coisas como se deve. Aqui você será devorada”. E peita a ‘justiça’ armada, que recua por causa de seus princípios.

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A justiça que o FBI e a CIA e seus representantes dos conceitos de ‘cerceamento’ e ‘controle’ usam, é a de Talião disfarçada de missão oficial com aparato legal. A representação do comboio é a do poder, quando depois de um chacina no trânsito, kate diz: “ótimo agora o mundo inteiro esta sabendo que nós estamos aqui” ; Matt responde: “Ninguém vai dar um pio nem aqui nem nos EUA. O controle e o cerceamento são as personas de Matt Graver.

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O roteiro foi escrito por Taylor Sheridan que mandou muito bem no contexto da guerra do narcotráfico na fronteira com o México e nos remete a “Heli” (2013) de Amat Escalante, tão ousado quanto. Denis Villeneuve – indicado ao Oscar por “Os Suspeitos” (2013) – e que adora um história intrincada, vide a coragem de  dirigir  “O Homem duplicado” (2013) baseado na obra de José Saramago, fez de “Sicário: Terra de Ninguém” um painel do submundo mexicano, das alianças entre as instituições americanas, um compêndio filosófico para pensar conceitos de uma forma didática e ainda deu um show na associação da fotografia e das tomadas com a trilha sonora. A fotografia de Roger Deakins , veterano indicado a 12 Oscars, nos lembra “A Hora Mais Escura” (2012). Mas o que potencializou a tatibilidade foi a trilha sonora original de Johann Johannsson de “A Teoria de Tudo” que fez das batidas dos aborígenes Astecas a coluna vertebral para a ramificação de composições, um show à parte.

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Ao contrário do que se possa pensar do papel da mulher no filme em relação a misoginia ou pregação de um não pertencimento àquele mundo ou à referência de um  mundo para homens, testosteronizado. Não o é. Ela é Chefe de operações do FBI e foi selecionada  por ser a melhor, em meio aos homens, ela disputou com seu parceiro de operações, Reggie (Daniel Kaluuya). Mas para personificar a justiça idealizada, cega, que não vê diferenças e só quer aceitar o ‘certo’, a mansidão e a fragilidade feminina são perfeitas. Essa pegada é de bater palmas. Em relação á panopticidade das tomadas nas locações de El Paso, no Texas, e Novo México, a metaforização da cidade de Juaréz como sendo o mundo, e que tudo o que é costurado como rede ali é o que acontece no geral com todos e em todos os lugares, também foi genial. Comparar o mundo que se separa por superioridade, na essência humana, àquilo que ali está foi sensacional.

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“Sicário: Terra de Ninguém” é um bom catalizador de questionamento sobre como anda o mundo e o que estamos fazendo dele, quem somos e o que nos tornamos. “Sicário: Terra de Nínguém” também pode ser um território dentro de nós, que se relativiza, e o pior, sem nenhuma ternura. “Sicário: Terra de Ninguém” é um filme poderoso cinematograficamente e potente enquanto história.

  • Para os apreciadores de trilhas sonoras, vale a pena conferir: (Aqui!)

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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