Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência

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Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência

Por | 2018-06-16T23:47:13-03:00 16 de maio de 2015|Resenha cinematográfica|0 Comentários

Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência ( En duva satt pà em gren och funderade pà tillvaron/ A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence). (Comédia/Drama); Elenco: Holger Andersson, Nils Westblon, Viktor Gyllenberg; Direção: Roy Andersson; Suécia/Alemanha/Noruega/França, 2014. 101 Min.

“É necessário sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”

(José Saramago)

O título do filme em questão é uma referência a pintura de Pilter Bruegel  the Elder intitulada The Hunters in the Snow. Na pintura os pássaros estão pousados em galhos e Roy Andersson se pôs na ótica dos pássaros para imaginar como eles nos veriam. A partir desse insight Andersson se inspirou no filme “Ladrões de bicicletas” (1948) de Vittorio de Sica para alinhavar todo o arcabouço da obra.

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“Um pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência” é a última parte da trilogia sobre ser um Ser Humano. O primeiro filme é “Songs from the Second Floor” (2000) que faz um passeio pelos aspectos da vida moderna num caldo de crítica social com características surrealistas. O segundo filme é “You, Living” (2006)  explora a possível essência da existência a partir de grupos de indivíduos: mulheres gordas, psiquiatras infelizes, pessoas decepcionadas com o amor, pessoas com problemas emocionais, sejam professores, carpinteiros, vendedores ou homens de negócio. Em “Um pombo….” é o olhar de fora que mostra o que não queremos ver, o resultado do que fabricamos na construção social. O contexto é o  ano é 1943, em plena segunda guerra mundial. O argumento são reflexões sobre a morte, a vida, os questionamentos sobre a forma com a qual organizamos o caos para que deixe de ser caos e nem assim conseguimos – o trabalho, o descanso, os dias da semana, a rotina – as conexões que fazemos entre nós, a hipocrisia através da confissão de felicidade, a dicotomia entre o “homem que sabe” e o primata, a recessão econômica, a exploração do outro, a depressão psicológica, os modismos ideológicos, o autoritarismo despótico, a prostituição, a misoginia, a liberdade sexual, a guerra. Tudo isso atravessado pelo capitalismo, a religião e os equívocos das relações humanas.

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Vencedor de três prêmios em festivais internacionais, dentre eles, o Leão de Ouro do Festival de Veneza, além de outras cinco indicações,  o filme tem uma fotografia lúgubre, acinzentada,  uma atuação teatral com caras maquiadas para uma pantomima, numa metáfora da vida como uma grande encenação. O formato é o de quadros curtos, estanques que se conectam através de dois personagens: Jonathan (Holger Andersson) e Sam (Nils Westbon), ambos vendedores de dentes de vampiro, gargalhadas artificiais e máscaras. Nesse Trânsito eles atuam em bares, restaurantes, lojas, hospitais e em seus próprios aposentos.

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Quanto a técnica Roy Andersson deixou a câmera parada no melhor estilo Lumière e ficou apreciando a vida passar por ela lentamente em suas várias camadas – argumentativas e contextuais – como Ettore Scola fez em “O Baile” (1983) em que o tempo – 60 anos de História – e a vida passava diante de uma câmera parada, sem diálogos. As analogias são diversas. Se em “Winter Sleep” (2014) essa reflexão existencialista era cheia de conversas e argumentações com longos diálogos subjetivos, em “Um Pombo….” a reflexão se dá pela catalisação de diálogos curtos, lentos, repetitivos em que a tentativa de entendimento vem do vaguear o olhar pelo entorno do plano procurando signos que se conectem e produzam um significado para nós – cada um tem o seu. Uma técnica bem Godartiana. Outro filme que nos traz remetências  é “Monty Python – O Sentido da Vida” (1983), que também tem quadros desconexos entre si e estanques mas que são costurados por reflexões bem humoradas e irônicas sobre a vida, suas fases e o nosso modus operandis paradoxal e dicotômico.

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O Sueco Roy Andersson, diretor e roteirista da obra, vem do nicho dos curtas metragens e comerciais e tem no seu currículo apenas cinco longas metragens, quatro deles ovacionados  pela crítica e juri em festivais de filmes. Os longas de Roy são produto de um  processo de depressão e são paridos com muita dificuldade. As marcas desse processo são bem fortes em sua obra: a lentidão, as cores, a desconexão e o tipo e nível de reflexão.

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” Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência” é um filme que abarca o público do teatro, gente que curte filmes de festivais, produções noir e o chamado “filme-cabeça”. E se institui como uma radiografia das nossas dicotomias nas relações sociais costuradas pelos dentes de vampiro, gargalhadas artificiais e máscaras. Sagaz!

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Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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