Winter Sleep

Por | 2018-06-16T23:48:50-03:00 1 de maio de 2015|Resenha cinematográfica|0 Comentários

Winter Sleep (kis Uykusu). (Drama); Elenco:  Haluk Bilginer, Melisa Sözen, Demet Akbag; Direção: Nuri Bilge Ceylan; Turquia/França/Alemanha, 2014. 196 Min.

O cinema turco dá o ar da graça no circuito brasileiro. E que graça! Adaptado de uma pequena história de Anton Tchekhov (1860-1904), “Winter Sleep”, de Nuri Bilge Ceylan,  é um compêndio de conjecturas filosófico-existenciais,  ambientado em um hotel nas montanhas da Capadócia ( Anatólia central na Turquia) que aborda  conceitos abstratos como justiça, moral e consciência. Divaga sobre posturas sociais cotidianas e nos traz para o lugar da responsabilidade sobre nós mesmos e do que nos acontece.

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O roteiro consiste no passeio pelo dia-a-dia de um ex-ator de teatro, Aydin (Haluk Bilginer) que depois de vinte cinco anos de atuação, decide dedicar seus dias a administração de sua pousada, de seu patrimônio e à escrita de um livro sobre o teatro turco. Na pousada vive com sua mulher Nihal (Melisa Sözen) e sua irmã Necla (Demet Akbag). Ali convivem hóspedes, empregados e familiares, e o cerne da trama são os diálogos acerca das questões daquele cotidiano, a partir do que lhes acontece. Então, temos por várias vezes, longos minutos com uma câmera parada diante de personagens que se conflagram e o que brilha são as argumentações. “Winter Sleep” é a contemplação da dialética. Os temas abordados são: consciência, moral, valores, princípios, o Islã , a fé, a cultura, o mal, a liberdade, a pobreza, a miséria, a humilhação, o orgulho e a caridade (com destaque para  a cena sobre esta abordagem).

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A obra cinematográfica é roteirizada por Ebru Ceylan de “3 Macacos” e Nuri Bilge Ceylan e tem como premissa maior o porquê da resistência ao mal – no sentido de embate – a partir dos acontecimentos: o aluguel que não é pago, uma reunião de filantropia, uma carta de pedido de ajuda, uma janela quebrada do carro… A partir daí os conceitos filosóficos transitam sem citações, simplesmente sendo construídos com o pé no chão dos acontecimentos, em conversas com o empregado, com a família no café da manhã, com a irmã no escritório, com a esposa nos aposentos. O filme é uma preciosidade de argumentação e retórica espetaculares em que o nicho de atuação é a subjetividade. Similar a “O exótico Hotel Marigold” em que, hóspedes diversos se misturam entre si  e à vida local, com suas questões pessoais a serem trabalhadas. Porém, neste caso, o que fala alto são os silêncios. Enquanto na obra de Ceylam as palavras e seus engendramentos é que dão o tom da película.

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Também pudera, a riqueza vem das ideias de Anton Tchekhov, médico, dramaturgo  e escritor russo, considerado um dos maiores contistas da literatura universal. Foi influenciado por Tolstói, Honoré de Balzac e Dostoiévski e influenciou outros grandes escritores da literatura universal contemporânea como James Joyce, Ernest Hemingway e Virgínia Woolf. Não é pouca coisa e, portanto, seleciona público. É uma película altamente subjetiva que trabalha com abstrações o tempo todo, é para o público que curte o processo lento e arrastado do testemunho de conversas. Em sua produção, o filme possui 200 horas de material gravado, cuja edição original ficou com 4 Horas e meia de exibição. Para se tornar minimamente comercial, foi feita uma outra edição meticulosa que o deixou com 3 horas e 16minutos em sua versão final. Logo, é lapidado para quem tem ouvidos de ouvir e embalado pelas melodias de  Franz Schubert.

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O diretor, Nuri Bilge Ceylan tem no currículo 81  prêmios e outras 46 indicações, seu último trabalho foi “Era Uma Vez em Anatólia” (2011). Com  “Winter Sleep” além de ter Schubert na trilha sonora e a fotografia de Gökhan Tiryaki – premiado por “Era Uma Vez  em Anatólia” –  tem o ator de teatro, na vida real, Haluk Bilginer – Que levou o prêmio de  melhor ator no festival da Turquia e o FIPRESCI No festival de Palm Springs. O resultado de toda essa empreitada, além de prémios da crítica e de júris dos maiores festivais do mundo, foi a Palma de Ouro de Cannes 2014, ou seja, devidamente coroado.

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“Winter Sleep” é um manjar para os ouvidos atentos, mentes ávidas por exercícios de pensamento e almas sedentas por aprendizagem. Profundo,  sem pretenções eruditas, embora o seja. Em “Winter Sleep” até Shakespeare (única citação  em toda a película) é desbancado por uma citação “caseira” e que resume a vida melhor que qualquer teórico do pensamento…. ” faço planos brilhantes todas as manhãs, e brinco o dia inteiro” . É o cinema de Ceylan aproximando o homem Comum de Anton Tchekhov, é filosofia pé no chão. Um banquete!

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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