A 13ª Emenda (13th) (Documentário/Crime/História); Entrevistados: Melina Abdullah, Michelle Alexander, Cory Booker; Direção: Ava DuVernay; USA, 2016. 100 Min.
“Você tem que chocar as pessoas para ter a atenção delas”
(Bryan Stevenson)
Ava DuVernay se superou com “A 13 ª Emenda”. Diretora do aclamado “Selma: Uma Luta pela Igualdade” (2014) a cineasta negra, roteirista, produtora e publicitária faz um caminho narrativo histórico e factual sobre o calvário dos negros americanos em sua convivência social desde a libertação dos escravos depois da guerra civil americana, passando pela construção do mito de selvagens através do cinema no início do século XX, entra pela luta dos direito civis na década de 60, culmina na era do encarceramento em massa do movimento de guerra às drogas e desemboca na grande mão-de-obra industrial gratuita que se tornou a população carcerária americana. As argumentações do longa são todas muito bem costuradas pela brecha deixada na 13ª emenda à constituição americana e os depoimentos e entrevistas de 38 pessoas de peso ligadas à questão. (lista no final do texto). O documentário é chocante e visceral. E o mais triste é que aquelas cenas brutais são reais.
A 13ª Emenda à constituição americana é aquela que aboliu a escravidão no país. Mas que deixou uma brecha a que a escravidão fosse usada como punição a criminosos. A partir daí o que Ava DuVernay nos mostra ao longo do documentário é como ela tem sido usada como instrumento para modalidades de escravidão e para criminalizar e encarcerar a população negra americana. A diretora e o roteirista Spencer Averick (que também editou o longa-metragem) inicia mostrando o quanto a questão é tratada como sendo da seara da economia, já que a escravidão era um modo de produção. E vai se engendrando nas questões sociais e dos direitos civis e humanos. Explica como, ideologicamente, o mito de um negro besta-selvagem foi incutido na mentalidade de uma época e o quanto o cinema teve sua contribuição com a obra de D. W. Griffith “O Nascimento de Uma Nação” (1915) e usa recortes de filmes como “12 Anos de Escravidão” (2013). Mas os referenciais cinematográficos da condição do negro na história americana dentro do cinema são muitos. Dentre eles: “Eu Não Sou Seu Negro” (2016) com o mesmo estilo de argumentação; “O Nascimento de Uma Nação” (2016) de Nate Parker; e “Selma: Uma Luta pela Igualdade” (2014); só para fazer conexões. O longa em amplitude macrocósmica mostra o quanto um país que detém 5% da população mundial tem 25% dela encarcerada e se autodenomina terra da liberdade. “A 13ª Emenda” trabalha com dicotomias e paradoxos o tempo todo e mostra sua seriedade quando entrevista negros e brancos; ativistas e congressistas; conservadores e liberais; professores universitários renomados em suas cadeiras e ex-presidiários. Ava DuVernay não trabalhou com raciocínio passional e sim com História, fatos, estatísticas e análises especializadas e com camadas de discursos.
Historicamente, vai-se de Woodrow Wilson a Donald Trump (candidato à presidência da República à época) e assim se desenha toda um política de segregação escancarada que sai da escravidão e vai para o aluguel de pessoas, depois para a lei Jim Crow até à mão-de-obra gratuita prisional para multinacionais poderosas. Passa pela conquista do voto, às prisões por motivos insignificantes da era da guerra às drogas de Nixon e Ronald Regan, vai das leis de Bill Clinton e ao recrudescimento de Donald Trump, incluindo aí os imigrantes que já contavam na leva de ‘criminosos’ há algum tempo, recebendo o mesmo tratamento, quando da ilegalidade no território americano.
A produção é original da Netflix, uma plataforma de Streaming paga, com preços populares e que vem quebrando paradigmas na seara do entretenimento. Tentando lançar filmes in the same time com o circuito, se candidatando a prêmios de cinema e sendo aceito, como foi o caso de “A 13ª Emenda” e “Os Capacetes Brancos” dentre outros aos Oscar 2017 e, mais recentemente, concorrendo à Palma de Ouro do Festival de Cannes com outra produção. Com a cara e a coragem a empresa de entretenimento tem feito barulho, não só pelas seus conteúdos – que são bastante viscerais – mas pelo seu poder de fogo financeiro com produções de qualidade técnica e a ‘afoiteza‘ de se meter onde nenhuma empresa da categoria ousou. A ponto de ser pioneira, num possível, alargamento no conceito de cinema.
Já Ava DuVernay honra as saias que veste e a etnia a que pertence sendo uma profissional inteligente e meticulosa. Com 17 filmes no currículo entre curtas, filmes de TV, séries e documentários a moça mostra coragem e ousadia pelos temas que escolhe e a competência com a qual aborda as questões propostas. No caso de “A 13ª Emenda” sua parceria com o editor Spencer Averick foi muito feliz, já que Averick além de ter feito seu primeiro roteiro rumando para outra categoria, também produziu e editou o longa. Ou seja, juntou a faca e o queijo nas mãos e saiu um senhor documentário. Isso só podia render prêmios, é claro. 24 lauréis ao total e mais 36 indicações. Em tempo: as músicas sob a batuta de Jason Moran são ritmos negros: South, Blues, Rap e Gospel.
“A 13ª Emenda” é um documentário forte, chocante, sem papas na língua, não economiza em imagens violentas e poderosíssimas para potencializar sua narrativa e nos mostra que, possivelmente, o ser humano foi a pior coisa que já aconteceu a esse planeta. O longa causa indignação e vergonha de ser gente, mas é mais do que necessário nos tempos em que vivemos hoje. Vaticinando: impactante!
- Está disponível na Netflix (com qualidade ) e no Youtube.
Lista de entrevistados na ordem de identificação:
Jelani Cobb – Professor de estudos afro-americanos da Universidade de Connectcut
Bryan Stevenson – Escritor e fundador da iniciativa Justiça Igualitária
Henry Louis Gates Jr. – Professor de História da Universidade de Harvard
John Hagan – Professor de sociologia e legislação da universidade Northwestern
Malkia Cyrel – Diretora executiva da central de justiça na mídia.
Baz Dreisinger – Educadora e eescritora. Membra do projeto Nação encarcerada.
Corey Greene – Ativista e ex-presidiário. Co-fundador de H.O.L.L.A
Ed Koch – Prefeito de New York (1978-1989)
Deborah Small – Advogada e fundadora da “Break the Chains”
Lisa Graves – Diretora executiva do centro de mídia e democracia
Van Jones – Ativista e escritor, fundador da #cut50 e fundador , presidente da Dream Corps
Nicholas Turner – Presidente do Instituto de Justiça Vera
Ken Thompson – Promotor público do distrito do Brooklin, New York.
Davida Keene – Membro da União Conservadora Americana.
Craig La Roche – Ativista e ex-presidiário, Presidente do Justice Fellowship
Corey Booker – Senado de New Jersey
Rashad Robinson – Membro da Colour of Change
Kyung-ji Kate Rhee – Centro de liderança e soluções urbanas
Michael Hough – Senador pelo estado de Maryland e Membro da ALEC (American Legislative Exchange Council)
Marie Gottschalk – Professora de ciências políticas da Universidade da Pensilvânia.
Gina Clayton – Advogada e fundadora da Essie Justice Group
Glenn E. Martin – Ativista e ex-presidiário, fundador da justleadershipusa
Daniel Wagner – repórter investigativo.
Bob Sloan – Jornalista ivestigativo independente
Lisa Jessie Peterson – Ativista e educadora
Dolores Canales – Ativista e ex-presidiária e co-fundadora da California families to abolish solitary confinement
Rick Perry – Governador do Texas (200-2015)
Melina Abdullah – Professora de estudos pan-africanos da Universidade da California
Michelle Alexander – Educadora e escritora
Angela Davis – Professora Emérita da Universidade de Santa Cruz
Khalil g. Muhammad – Professor de História e políticas públicas raciais da Universidade de Harvard
Charles B. Raangel – Congressista do 13º Ditrito de New York
Marc Mauer – Diretor executivo do projeto ‘sentenciando’
David Dinkins – 106th prefeito de New York
Shaka Senghor – Ativista e ex-presidiário e diretor de estratédia da #cut50
Pat Nolan – Ativista e ex-presidiário .
Newt Gingrich – 50th porta-voz da casa branca e candidato a presidência da república em 2012.
Grover Norquest – Membro da união conservadora americana.
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