Amigo Secreto (Documentário); Participações: Carla Jiménez, Regiane Oliveira, Marina Rossi, Leandro Demori; Direção: Maria Augusta Ramos; Brasil/Alemanha/Holanda, 2022.
Maria Augusta Ramos de “O Processo” (2018) está em cartaz com mais um documentário sobre a política brasileira e seus meandros. Com sua marca registrada de inquietação com injustiças, faz desse novo trabalho um instrumento de sistematização de informações e fomento ao debate sobre questões importantes da política brasileira. “Amigo Secreto” se detém nas investigações da Lava-Jato que levaram à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao escândalo que envolveu autoridades do judiciário acusados de ilegalidades jurídicas, este conhecido por Vaza-jato.
O longa acompanha as investigações jornalísticas de repórteres do The Intercept Brasil e El País Brasil sobre manipulação de informações entre o procurador da Lava-jato Deltan Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro com indícios graves de perseguição política, trazendo imagens de arquivo de depoimentos do ex-presidente Lula, entrevistas coletivas, imagens contemporâneas de protestos de ambos os lados da polaridade que tomou conta do Brasil. De 2017 a 2022 “Amigo Secreto” faz uma via crucis dos momentos mais proeminentes desse embróglio que devastou nossa democracia.
O longa é um campo de fértil para reflexões sobre o ‘modus operandi’ do ser humano mau caráter independente de onde esteja; sobre como opera a política brasileira desde à época da sesmarias; sobre como nossas instituições estão contaminadas estruturalmente pela falta de ética. A forma de condução do roteiro através da edição de Karen Akerman é competente, contando uma história que está recente na memória de quem tem mem´ória e/ ou preza por ela; apresenta trechos de reuniões de pauta de jornalistas investigativos e passeia pelos dois lados da questão deixando o espectador chegar às suas próprias considerações.
O cinema sempre esteve, desde seu início, a serviço da sociedade como instrumento de informação, fosse através das notícias da guerra que adentravam as salas de cinema na década de 40 do século passado, seja através de gêneros que se propõe a trazer aspectos e recortes da realidade para fazer pensar. E boa parte disso se deve a sua característica de agregar um número grande de pessoas ao mesmo tempo e com uma informação que pode ser mais objetiva. Diferente da TV que tem um viés mais genérico pelas peculiaridades de sua transmissão e de seu público. Einsenstein achava que o cinema era o instrumento que faltava para se fazer a revolução. Não estava errado, mas as mãos nos quais ele caiu não queriam a revolução como ele achava que ela deveria ser. De alguma maneira, o cinema fez muita revolução nos costumes, na veiculação de ideologias – façanha não tão memorável – e hoje o gênero documentário se consolida como um espaço que serve para fazer pensarmos sobre questões que não levaríamos para uma mesa de jantar com familiares ou de um bar com amigos. O gênero documentário é um espaço que tem o viés de trazer trazer questões para o espectador, descortinar-lhe ‘verdades’ não tão bem-vindas e nesse lugar ele cumpre seu papel e é bem vindo mesmo que seja para incomodar. E até se autoquestionar como gênero-verdade. Está aí, e é um palco rico no que diz respeito ao fomento de pensamentos, reflexões e criticismos.
Co-produção entre Brasil , Alemanha e Holanda “Amigo Secreto” é um respiro de justiça num oceano de polaridades, fake news e necropolítica. Prestigiar a obra é uma obrigação para quem quer pegar o fio da meada sobre como viemos parar onde estamos nesse momento na História de Brasilzão. “Amigo Secreto” é um resumão dos últimos 5 anos e uma continuação sutil de “O Processo”.
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